terça-feira, 7 de junho de 2011

Discurso do Papa aos membros do Tribunal da Rota Romana.

Tradução: Nicole Melhado

Boletim da Santa Sé

Caros membros do Tribunal da Rota Romana!

Tenho prazer de encontra-los neste anual encontro em ocasião da inauguração do ano judiciário. Uma cordial saudação volto ao Colégio dos Prelados Auditores, iniciado em Decabi, Monsenhor Antoni Stankiewicz, que agradeço pelas amáveis palavras. Saúdo os Oficiais, os Advogados e os outros colaboradores deste Tribunal, como também todos os presentes. Este momento me oferece a oportunidade de renovar a minha estima pela obra que desenvolveram a serviço da Igreja e de encorajar-vos a um sempre melhor empenho em um setor tão delicado e importante para a pastoral e para a “salus animarum.”

O relacionamento entre o direito e a pastoral esteve no centro do debate pós-concílio sobre o direito canônico. A observação do Venerável Servo de Deus João Paulo II, que diz que “não é verdade que para ser mais pastoral o direito deve ser menos jurídico” (Discurso à Rota Romana, em 18 de janeiro de 1990, n. 4: AAS 82 [1990], p. 874) expressa o superamento radical de uma aparente contraposição. “ A dimensão jurídica e aquela pastoral – dizia – são inseparavelmente unidas na Igreja peregrina sob essa terra. Antes de tudo, há uma harmonia, decorrentes do objetivo comum: a salvação das almas” (ibidem).

No meu primeiro encontro com vocês em 2006, busquei evidenciar o autentico sentido pastoral dos processos de nulidade matrimonial, fundado no amor para a verdade (cfr Discurso à Rota Romana em 28 de janeiro de 2006: AAS 98 [2006], pág. 135-138). Hoje gostaria de me firmar na consideração da dimensão jurídica que é inerente na atividade pastoral de preparação e admissão ao matrimônio, para buscar colocar à luz o vínculo entre tais atividades e os processos jurídicos matrimoniais.

A dimensão canônica da preparação ao matrimônio talvez não é um elemento de imediata percepção. De fato, de uma parte se observa como nos cursos de preparação ao matrimônio as questões canônicas ocupam um lugar muito modesto, se não insignificante, enquanto se tende a pensar que os futuros esposos possuem um interesse muito pequeno para a problemática reservada aos especialistas.

De outra parte, embora não exclua nenhum a necessidade de atividades jurídicas que precedem o matrimônio, envolve assegurar que “nada se oponha a sua celebração válida e lícita” (CIC, can. 1066), é difundida a mentalidade segundo a qual o exame dos esposos, as publicações matrimoniais e os outros meios oportunos para cumprir as necessárias investigações pré-matrimoniais (cfr ibid., can. 1067), entre as quais se colocam os cursos de preparação matrimonial, constituam o cumprimento de aspectos meramente formais.

Na verdade, é frequentemente assumido que, ao admitir o casal para o matrimônio, os pastores deveriam proceder com brandura, estando em jogo o direito natural das pessoas de se casar.

É bom, a propósito, refletir sob a dimensão jurídica do próprio matrimônio. É um argumento no qual sinalizei no contesto de uma reflexão sobre a verdade do matrimônio, na qual afirmava entre outras coisa: “Diante da relativização subjetiva e libertária da experiência sexual, a tradição da Igreja afirma com clareza a índole naturalmente jurídica do matrimônio, isto é, seu pertencimento por natureza ao âmbito da justiça nas relações interpessoais. Nesta óptica, o direito é realmente entrelaçado com a vida e o amor; como um seu dever-ser” (Discurso à Rota Romana, 27 de janeiro de 2007, AAS 99 [2007], p. 90).

Não existe, portanto, um matrimônio da vida e um outro de direito: só há um matrimônio, que é constitucionalmente vínculo jurídico real entre um homem e uma mulher, um vínculo sob o qual apoia-se a autentica dinâmica conjugal da vida e do amor.

O matrimônio celebrado, no qual se ocupa a pastoral e incidido sobre a doutrina canônica, são uma só realidade natural e santificadora, cuja riqueza certamente dá origem a uma variedade de abordagens, mas sem que seja menos uma identidade essencial.

O aspecto jurídico é intrinsecamente ligado à essência do matrimônio. Isso é compreensível à luz de uma concepção não-positivista de direito, mas considerado do ponto de vista relacional segundo a justiça.

O direito a se casar, o ius connubii, deve ser visto nesta perspectiva. Não se trata, isto é, de uma reivindicação subjetiva que deve ser satisfeita pelos pastores mediante um mero reconhecimento formal, independentemente do contexto efetivo da união. O direito ao matrimônio pressupõe que se possa e se destina a celebrar realmente na verdade da sua essência, como ensinado pela Igreja. Ninguém pode reivindicar o direito de um casamento.

O ius connubii, de fato, se refere ao direito de celebrar um autêntico matrimônio. Não se nega, assim, o ius connubii onde era óbvio que existem as condições para seu exercício, se falta, isto é, claramente as competências necessárias para se casar, ou simplesmente a vontade é contrário à realidade natural do matrimônio.

Este contexto, reitero quando escrevi, depois do Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia: “Dada a complexidade do contexto cultural em que vive a Igreja em muitos países, o Sínodo recomendou que tenham o máximo de cuidado pastoral na formação dos noivos e na prévia verificação de suas convicções sobre as obrigações exigidas para a validade do sacramento do matrimônio. Um sério discernimento a tal respeito poderá evitar que impulsos emotivos ou razões superficiais induzam os dois jovens a assumir responsabilidades que não poderão honrar (cfr Propositio 40). Demasiadamente grande é bem que a Igreja e a sociedade inteira espera do casamento e da família fundada sobre essa união para não empenhar-se a fundo neste específico âmbito pastoral. O matrimônio e a família são instituições que devem ser promovidas e defendidas de qualquer possível equívoco sobre a sua verdade, porque todo e qualquer dano aqui provocado constitui na realidade uma ferida infligida à convivência humana como tal” (Exort. Ap. Pós-sinodal Sacramentum caritatis, 22 de fevereiro de 2007, n. 29: AAS 99 [2007], p. 130).

A preparação ao matrimônio, em suas várias fases, descreve o Papa João Paulo II na Exortação apostólica Familiaris consortio, tem certamente entre as finalidades que transcendem a dimensão jurídica, pois que o seu horizonte é constituído pelo bem integral, humano e cristão, dos conjugues e de seus futuros filhos(cfr n. 66: AAS 73 [1981], pp. 159-162), em direção definitiva à santidade de suas vidas (cfr CIC, can. 1063,2°).

Não é preciso jamais esquecer, toda via, que o objetivo imediato de tal preparação é aquele de promover a livre celebração de um verdadeiro matrimônio, a constituição, isto é, de um vínculo de justiça e de amor entre os conjugues, com a características da unidade e indissolubilidade, ordenado ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, e que entre os batizados constitui um dos sacramentos da Nova Aliança.

Com isso não é voltado ao casal uma mensagem ideológica extrínseco, nem mesmo vem imposto um modelo cultural; ao contrário, os noivos estão em posição de descobrir a verdade de uma inclinação natural e de uma capacidade de empenhar-se nesta relação entre homem e mulher.

É da dai que vem o direito como um componente essencial da relação matrimonial, radicado numa potencialidade natural dos conjugues que a doação consensual atualiza. Razão e fé se combinam para iluminar essa verdade de vida, devendo, no entanto, permanecer claro que, como ensinou também o Venerável João Paulo II, “Igreja não se recusam a celebrar um casamento que está bem disposto, também imperfeitamente preparado do ponto de vista sobrenatural, desde que tenham a correta intenção de casar-se de acordo com a realidade natural do matrimônio” (Discurso à Rota Romana, 30 de janeiro de 2003, n. 8: AAS 95 [2003], p. 397).

Neste perspectiva, um cuidado particular deve ser colocada para que o acompanhamento da preparação ao matrimônio seja remoto, próximo, imediato. (cfr João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio, 22 de novembro de 1981, n. 66: AAS 73 [1981], pp. 159-162).

Entre os meios para assegurar que o projeto dos noivos seja realmente conjugal, implica o exame pré-matrimonial. Tal exame tem um propósito principalmente jurídico: assegurar que não há impedimento para a válida e lícita celebração das núpcias.

Jurídico não que dizer formalista, como se fosse uma mera prática burocrática consistindo em preencher um formulário tendo como base perguntas rituais. Trata-se, isso sim, de uma ocasião pastoral única – a valorizar com toda a seriedade e atenção que se exige – na qual, por meio de um diálogo cheio de respeito e cordialidade, o pastor procura ajudar a pessoa a situar-se seriamente perante a verdade sobre si mesma e sobre a sua própria vocação humana e cristã para o matrimônio

Neste sentido, o diálogo sempre conduzido separadamente com cada um dos noivos, sem medir a conveniência de outras conversas com o casal – requer um clima de plena sinceridade, no qual se deve destacar o fato que eles mesmo são os primeiros interessados e os primeiros obrigados em consciência a celebrar um matrimônio válido.

Neste modo, com os vários meios a disposição para uma cuidada preparação e verificação, pode se desenvolver uma eficaz ação pastoral visando a prevenção da nulidade matrimonial. Há que se empenhar para que, na medida do possível, se interrompa o círculo vicioso que muitas vezes se verifica entre uma admissão fácil ao matrimônio, sem a adequada preparação e sem um sério exame dos requisitos previstos para a sua celebração, e uma declaração judiciária igualmente fácil, mas de sinal oposto, na qual se considera o próprio matrimônio apenas com base na constatação da sua falência.

É verdade que nem todos os motivos de uma eventual declaração de nulidade pode ser individualizada, ou mesmo manifestada na preparação ao matrimônio, mas, também, não seria justo dificultar o acesso ao casamento com base em presunções infundadas, como aquele de acreditar que, hoje em dia, as pessoas seriam geralmente incapazes ou teriam uma vontade somente aparentemente matrimonial. Neste perspectiva, é importante que haja uma consciência ainda mais eficaz da responsabilidade a este respeito para aqueles que têm o cuidado das almas.

O direito canônico em geral, e em especial aquele matrimonial e processual, requerem certamente uma preparação específica, mas o conhecimento dos aspectos básicos e daqueles imediatamente práticos do direito canônico, relativos às próprias funções, constituem uma exigência formativa de primária relevância para todos os operadores pastorais, em particular àqueles que atuam nas pastorais familiares.

Tudo isto requer também que os operadores dos tribunais eclesiásticos enviem uma mensagem única sobre o que é essencial no casamento, em sintonia com o Magistério e a lei canônica, falando a uma só voz. Dada a necessidade de unidade da jurisprudência, confiada ao cuidado deste Tribunal, os outros tribunais eclesiásticos devem adequar-se à jurisprudência rotal (cfr Giovanni Paolo II, Discurso à Rota Romana, 17 janeiro de 1998, n. 4: AAS 90 [1998], p. 783).

Tenho recentemente insistido na necessidade de julgar corretamente as causas relativas de incapacidade consensual (cfr Discurso à Rota Romana, 29 de janeiro de 2009: AAS 101 [2009], pp. 124-128).

A questão continua a ser muito atual, e quase permanece ainda posições incorretas, como aquela de identificar a discriminação de juízo requerida para o matrimônio (cfr CIC, can. 1095, n. 2) com o pedido cauteloso na decisão de casar-se, tratando, assim, de uma questão de habilidade com um que não afeta a validade, quanto ao grau de sabedoria prática com a qual tenha tomado uma decisão que é, no entanto, realmente matrimonial.

Ainda mais grave seria o mal-entendido, se quisesse atribuir eficácia inválida às escolas imprudentes feitas durante a vida matrimonial.

No âmbito da nulidade para a inclusão dos bens essenciais do matrimônio (cfr ibid., can. 1101, § 2) ocorre ter um sério compromisso para que as decisões jurídicas reflitam a verdade sobre o matrimônio, a mesma que deve iluminar tempo de admissão do casamento.

Penso, de modo particular, na questão da inclusão do bonum coniugum. Em relação a esta exclusão parece estar a repetir o mesmo perigo que ameaça a boa aplicação das regras relativas à incapacidade, consiste em procurar as causas de nulidade em comportamentos que não dizem respeito ao estabelecimento do vínculo matrimonial, mas a sua realização na vida.

Devemos resistir à tentação de transformar a simples falta dos esposos em sua existência conjugal em defeitos do consentimento. A verdadeira exclusão pode ser verificada, de fato, somente quando afetada a ordem ao bem dos conjugues (cfr ibid., can. 1055, § 1), excluídos por um ato positivo de vontade.

Certamente, são excepcionais os casos no qual vem a faltar o reconhecimento do outro como conjugue, ou é excluída a ordem essencial da comunidade de vida conjugal ao bem do outro.

O esclarecimento desses motivos de exclusão do bonum coniugum deverá ser atentamente avaliado pela jurisprudência da Rota Romana.

Ao concluir estas minhas reflexões, volto a considerar o relacionamento direto e pastoral. Esse está sujeito a mal-entendidos, em detrimento do direito, mas também da pastoral. Ocorre em vez, favorecer todos os setores, de modo particular no campo do matrimônio e da família, uma dinâmica de articulação harmoniosa entre pastoral e direito, que certamente se revelará fecunda no serviço oferecido às pessoas que estão se aproximando do casamento.

Caros membros do Tribunal da Rota Romana, confio todos vocês à potente intercessão da Beata Virgem Maria, para que não vos falta jamais a assistência divina no desenvolvimento com fidelidade, espírito de serviço e frutos do vosso cotidiano trabalho, e de bom grado concedo a todos uma especial Bênção Apostólica.


FONTE: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=280113

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