domingo, 5 de junho de 2011

Ainda silêncio sobre clientes e nova denuncia.

Palocci fala pela 1ª vez sobre suspeitas, mas não revela nomes nem faturamento de consultoria.

BRASÍLIA

Exatos 19 dias após a revelação de que seu patrimônio deu um salto nos últimos quatro anos, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, veio a público ontem, pela primeira vez, falar sobre seus negócios de consultor, cumprindo determinação da presidente Dilma Rousseff, mas ainda deixou muitas perguntas sem resposta. Sua fala não deve mudar o clima de crise política no governo. Ele não revelou os nomes de seus clientes, nem o faturamento de sua empresa, a Projeto, quando atuou como consultor, entre 2006 e 2010. Em entrevista ao "Jornal Nacional", da Rede Globo, Palocci negou ter praticado tráfico de influência e garantiu que não fez negócios que envolvessem o governo e empresas públicas. Disse também que os negócios de sua empresa não se misturaram às doações para a campanha presidencial do PT de 2010, onde ele exerceu função de coordenador.

Em 15 de maio, a "Folha de S. Paulo" revelou que Palocci comprou, ano passado, um apartamento por R$6,6 milhões e um escritório por R$882 mil, ambos em São Paulo. O negócio foi feito pela Projeto, da qual o ministro tem 99,9% do capital. Em 2010, a empresa de Palocci teria faturado R$20 milhões. Ao GLOBO, a assessoria da Projeto admitiu que os contratos tinham cláusula de sucesso, considerado por especialistas e políticos pagamento por tráfico de influência. Na entrevista, Palocci reconheceu, ainda que de forma indireta, que alguns contratos previam taxa de sucesso.

As denúncias envolvendo o principal ministro de Dilma abriram a maior crise política do atual governo. A base aliada aproveitou a fragilidade do governo no Congresso para chantagear o Planalto. Palocci deve continuar sangrando pelo menos até que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decida se abre ou não investigação para apurar suspeitas de tráfico de influência e enriquecimento ilícito.

Os principais trechos da entrevista ao "Jornal Nacional":

Sobre o faturamento da Projeto entre 2006 e 2010:

"Todo o faturamento foi registrado nos órgãos de controle tributário tanto da prefeitura de São Paulo quanto da Receita. Todo o serviço prestado foi feito a partir de emissão de notas fiscais regulares e todos os impostos foram recolhidos. Era uma empresa privada, que prestava atividades privadas (...) Portanto, não tive atividade reservada, tive uma atividade pública. Agora, os números da empresa, eu gostaria de deixar reservados porque não dizem respeito ao interesse público. Agora, os contratos, sim, aquilo que fiz, serviço que prestei, as empresas que atendi, as empresas que tinham contrato com a Projeto, posso falar perfeitamente sobre eles".

Sobre o faturamento de R$20 milhões no ano eleitoral, sendo R$10 milhões em novembro e dezembro:

"Os valores podem ser aproximados, não tenho neste momento. Mas o que ocorre é que no mês de dezembro encerrei as atividades da empresa, dado que ia assumir um cargo na Casa Civil. Promovi um encerramento das atividades todas de consultoria da empresa, todos os contratos que eu tinha há dois, há cinco, três anos, foram encerrados e eles foram quitados. (...) Por isso que há arrecadação maior nesse final de ano, mas são contratos de serviços prestados. Hoje a empresa não tem mais nenhum contrato, nenhuma arrecadação, nenhum valor."
Sobre a relação da Projeto com órgãos públicos: "Tenho esclarecido, e reafirmo aqui pela oportunidade, que minha empresa jamais atuou junto a órgãos públicos, ou diretamente prestando consultoria a órgãos públicos ou representando empresas nos órgãos públicos".

Fez negócios com o poder público?

"Nunca participei. Quando uma empresa privada tinha negócio com o setor público, nunca dei consultoria num caso como esse. (...) Pude esclarecer casos concretos que me foram apresentados, mas em nenhum momento eu participava de um empreendimento, vamos dizer, que envolvesse um órgão público e um privado. Um fundo de pensão de empresa pública com uma empresa privada, nunca participei disso. O que eu fazia era consultoria para empresas privadas. Se a empresa tinha necessidade junto a um órgão público, ela tinha lá seu departamento ou sua prestação de serviços para isso. Eu não fazia isso porque isso, a lei não me permitia."

Qual a relação entre o faturamento de 2010 e dos anos anteriores?

"Foram valores inferiores. A empresa foi ampliando sua atuação, ampliando seu faturamento naturalmente. Comecei a empresa em 2006, antes mesmo de ser deputado. E aí comecei a estabelecer os contratos da empresa. Mas insisto com você que isso é muito importante. Todos os contratos da minha empresa, que era um empresa privada, (foi) com empresas privadas. Nunca que uma empresa privada precisou de uma atividade pública ou de um órgão público, minha empresa tenha atuado nesses casos. Porque aí eu tinha clareza que isso não poderia se realizar."

Por que não divulga a lista de clientes?

"Veja, semana passada, uma empresa admitiu que teve contratos comigo. O que aconteceu? Deputados da oposição foram imediatamente apresentar acusação grave contra essa empresa, que teria conseguido restituição de impostos, em tempo recorde, por minha intermediação. Veja a gravidade da afirmação. Não sou eu que nego. Duas horas depois, a Receita divulgou relatório mostrando que a Receita tomou a decisão em relação a essa empresa, quase dois anos depois de requerida a devolução do imposto e por determinação judicial."

Por que não divulgar os clientes?

"Não posso expor contratos que tive com empresas privadas renomadas nas suas áreas num ambiente de conflito político. Acho que não tenho o direito de fazer a divulgação de terceiros. Eu acho que devo assumir os esclarecimentos relativos à minha empresa."

Em quais setores atuou como consultor?

"Trabalhei na consultoria para vários segmentos de indústria, serviços financeiros, mercado de capitais, bancos e empresas, fundos de mercado de capitais. E trabalhei em empresas de serviços em geral. É um conjunto de empresas que pouco tem a ver, por exemplo, com obras públicas, investimentos públicos. São empresas que vivem da iniciativa privada e consideraram útil o fato de eu ter sido ministro da Fazenda, acumulado experiência na área econômica, conhecer a área. Depois que deixei o ministério, fiquei quatro meses respeitando a quarentena e só depois passei a prestar consultoria. (...) Meu papel é cumprir rigorosamente a lei. Não estou acima da lei. Por isso, quando criei a empresa segui todas as providências no sentido de ter licenças legais. Tudo está literalmente registrado e adequado. Quando vim para o governo, entreguei à Comissão de Ética da Presidência todas as informações das medidas que tomei. Encerrei as atividades de consultoria. Não atuo na empresa e cumpri aquilo que a lei dizia que eu devia como ministro. A Comissão de Ética recebeu todas as informações e disse que não havia nada de errado. A Procuradoria Geral pediu informações e mandei todas que pediram. Então vamos ver a avaliação desse organismo. Quando a Receita diz que não tem pendência da minha empresa na Receita, tenho certeza de que você considera isso informação relevante. Quando o Coaf diz que não há investigação sobre minha empresa, tenho certeza que se considera isso informação relevante."

Por que não divulga o faturamento?

"Respeito todas as suas perguntas. Respeite o direito de eu não falar em valores. Nenhuma informação da minha empresa é secreta. Não estou dizendo que não darei informações aos órgãos de controle."

Consultoria e doações para campanha:

"Não existe nenhum centavo que se refira a política ou campanha. Nenhum centavo. Minha atividade na campanha foi política".

Crise no governo?

"Não há crise no governo, há uma questão em relação à minha pessoa, prefiro encarar assim e assumir plenamente a responsabilidade que tenho de prestar informações aos órgãos competentes e dar minhas explicações. Isso é uma coisa que cabe a mim. Não há crise no país, no governo."

Interferência da crise no trabalho?

"Não, de forma alguma, o governo toca sua vida, trabalha intensamente. Há, sim, não vou negar, questão dirigida à minha pessoa. Com forte intensidade, com forte conteúdo político."
Chantagem pública do deputado Anthony Garotinho, que se referiu a Palocci como "diamante de R$20 milhões": "Não acredito que o deputado tenha dito isso, porque não é um procedimento.... nem perto do adequado....Tenho dito aos meus colegas do Congresso que aquilo que me couber explicar, devo explicações e vou fazê-lo. Jamais posso dentro do governo trocar um assunto por outro ou misturar um por outro. O governo está tocando sua vida, as coisas estão acontecendo normalmente. Enfrento uma questão agora, uma polêmica. Agora, vou fazê-lo pessoalmente, vou trazer isso para minha responsabilidade, informando aos órgãos de controle e dialogando sobre essas questões."

Pôs o cargo à disposição da presidente?

"Olha, a presidente tem o meu cargo e o de todos os ministros. Não chegamos a conversar sobre esse assunto, mas não é isso que me prende ao governo. Estou aqui para colaborar com a presidente. Tudo que fiz na iniciativa privada, prestei contas, e estou tranquilo e seguro em relação aos procedimentos que tive."

O futuro, caso seja denunciado pelo procurador-geral da República:

"Não posso responder em hipótese. Temos de ter tranquilidade de estar certos do que fizemos e oferecer as explicações adequadas. Não há coisa mais difícil do que você provar o que não fez, porque não há materialidade no que não fez. Digo a você: não fiz tráfico de influência, não fiz atuação junto a empresas públicas representando empresas privadas. Aí, como eu te provo isso?"

Como provar?

"Tem que... tem que existir boa fé nas pessoas. Por isso a lei diz que, quando há acusação, que é legítima haver, deve vir acompanhada de provas ou no mínimo indícios. Por isso precisamos acreditar na boa fé das pessoas. Eu te digo: não há problema estar em questão minhas atividades . Mas quero que as pessoas tenham boa fé, escutem as explicações, vejam as documentações enviadas aos órgãos públicos e que eu seja avaliado com Justiça, os meus direitos e os meus deveres".

Fonte: Jornal O Globo 04/06/2011.

Palocci não convence Dilma e fica em situação crítica após nova denúncia.

A situação do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, piorou muito depois da entrevista que ele concedeu ao Jornal Nacional, na sexta-feira. E se agravou ainda mais depois da divulgação, pela revista Veja, de que o apartamento de 640 metros quadrados que Palocci aluga, em São Paulo, seria de uma empresa dirigida por laranjas, um de 23 anos, outro de 17.

A presidente Dilma Rousseff teve uma reação de desânimo depois de ver a entrevista, de acordo com informações de bastidores do Palácio do Planalto. E teria comentado que Palocci ficou devendo respostas a respeito da lista de clientes, que, segundo ele próprio, foram entre 20 e 25.

No Planalto já se fala que agora o governo deve entrar num clima de transição na área política. Petistas que foram à festa de filiação do deputado Gabriel Chalita ao PMDB, em São Paulo, chegaram a dizer que a situação de Palocci se tornou 'insustentável'.

Antes mesmo da entrevista do titular da Casa Civil para esclarecer suspeitas de enriquecimento ilícito, Dilma e auxiliares mais diretos avaliavam que o ministro não conseguiria reverter a sua situação pessoal nem a de engessamento do governo.

O ministro Gilberto Carvalho, que ocupa atualmente a apagada pasta da Secretaria-Geral, vem tentando ocupar um pedaço do 'vácuo' nas interlocuções do Planalto com setores da base aliada na falta de Palocci, disseram auxiliares de Dilma.

Carvalho sempre é lembrado pelo contato direto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, maior fiador de Palocci no governo. Carvalho também mantém boa relação com dirigentes do PT contrários à permanência de Palocci, que reclamam da nomeação de aliados para cargos que disputam na aliança partidária governista. A participação ativa de Carvalho na busca de saídas para a crise não se limita a negociações com petistas. Dilma encarregou o ministro de manter conversas permanentes com o vice-presidente Michel Temer e líderes do PMDB.

'Insaciável'. O secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR), admitiu que a revelação sobre o aluguel do apartamento de Palocci vai piorar as coisas no Congresso. 'A oposição é insaciável e é claro que fará muito barulho', disse.

Nesta semana, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), decidirá se anula ou não requerimento de convocação de Palocci aprovado pela oposição na Comissão de Agricultura. Se o clima piorar na Câmara, Maia terá maiores dificuldades para cancelar o ato da comissão.

No ato de filiação de Chalita, Temer disse ver na fala de Palocci muita lealdade aos seus clientes. Ele classificou de satisfatória e convincente a entrevista do ministro, depois de um silêncio de 20 dias, mas não quis comentar se o chefe da Casa Civil terá força para continuar no posto.

'Ele veio à público dizer o que tinha de dizer, acho que ele foi muito convincente e teve muita lealdade profissional com seus clientes e com aqueles que serviu', destacou o vice, numa referência ao fato de Palocci não ter revelado o nome de seus clientes e nem sua renda.

Questionado se o ministro permanecerá à frente da Casa Civil, Temer desconversou: 'A presidente Dilma dispõe de todos os cargos e não deve ser eu a dizer o que deve ser feito.' E emendou: 'Não sei se há possibilidade de troca, sei que a presidente tem muita confiança nele. Confiamos no desempenho dele e nos princípios administrativos que ele tem. Palocci colabora muitíssimo com o governo federal.'

O presidente interino do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), comentou que, na sua opinião, Palocci esclareceu toda a situação na entrevista de sexta-feira. 'Ele foi muito bem nas explicações', disse. O mesmo declarou o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Fonte: Estadão.

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