quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Mulheres sacerdotisas, celibato e poder de Roma

O cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação para o Clero, raramente intervém no debate público. Ele evita, de fato, toda demagogia e presencialismo e é conhecido como homem de incansável e silencioso trabalho e como eficaz observador de todos os fenômenos que afetam a cultura contemporânea.

Extraordinariamente, ele nos concedeu esta entrevista sobre temas “candentes”, em um clima de cordialidade, mostrando essa criatividade pastoral que sempre aparece em um autêntico e fiel pastor da Igreja.


ZENIT: Eminência, com surpreendente periodicidade, há várias décadas, voltam a aparecer no debate público algumas questões eclesiais, sempre as mesmas. A que se deve este fenômeno?


Cardeal Piacenza: Sempre, na história da Igreja, houve movimentos “centrífugos”, que tendem a “normalizar” a excepcionalidade do evento de Cristo e do seu Corpo vivente na história, que é a Igreja. Uma “Igreja normalizada” perderia toda a sua força profética, não diria mais nada ao homem e ao mundo e, de fato, trairia o seu Senhor.


A grande diferença da época contemporânea é doutrinal e midiática. Doutrinalmente, pretende-se justificar o pecado, não confiando na misericórdia, mas deixando-se levar por uma perigosa autonomia que tem o sabor do ateísmo prático; do ponto de vista midiático, nas últimas décadas, as fisiológicas “forças centrífugas” recebem a atenção e a inoportuna amplificação dos meios de comunicação que vivem, de certa maneira, de contrastes.


ZENIT: Deve-se considerar a ordenação sacerdotal das mulheres como uma “questão doutrinal”?


Cardeal Piacenza: Certamente, como todos sabem, a questão já foi tratada por Paulo VI e o Beato João Paulo II, e este, com a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994, fechou definitivamente a questão.


De fato, afirmou: “Com o fim de afastar toda dúvida sobre uma questão de grande importância, que diz respeito à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar na fé aos irmãos, declaro que a Igreja não tem, de forma alguma, a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que este ditame deve ser considerado como definitivo por todos os fiéis da Igreja”. Alguns, justificando o injustificável, falaram de uma “definitividade relativa” da doutrina até esse momento, mas, francamente, esta tese é tão inusual que carece de qualquer fundamento.


ZENIT: Então, não há lugar para as mulheres na Igreja?


Cardeal Piacenza: Todo o contrário: as mulheres têm um papel importantíssimo no corpo eclesial e poderiam ter outro mais evidente ainda. A Igreja foi fundada por Cristo e não podemos determinar, nós, os homens, o seu perfil; portanto, a constituição hierárquica está ligada ao sacerdócio ministerial, que está reservado aos homens. Mas absolutamente nada impede de valorizar o gênio feminino em papéis que não estão ligados estreitamente ao exercício da ordem sagrada. Quem impediria, por exemplo, que uma grande economista fosse chefe da Administração da Sé Apostólica, ou que uma jornalista competente se tornasse porta-voz da Sala de Imprensa da Santa Sé?


Os exemplos podem se multiplicar em todos os desempenhos não vinculados à ordem sagrada. Há infinidade de tarefas nas quais o gênero feminino poderia realizar uma grande contribuição! Outra coisa é conceber o serviço como um poder e procurar, como o mundo faz, as “cotas” de tal poder. Considero, além disso, que o menosprezo do grande mistério da maternidade, que está sendo realizado nesta cultura dominante, tenha um papel muito importante na desorientação geral que existe com relação à mulher. A ideologia do lucro reduziu e instrumentalizou as mulheres, não reconhecendo a maior contribuição que estas, indiscutivelmente, podem dar à sociedade e ao mundo.

A Igreja, além disso, não é um governo político no qual é justo reivindicar uma representação adequada. A Igreja é outra coisa, a Igreja é o Corpo de Cristo e, nela, cada um é membro segundo o que Cristo estabeleceu. Por outro lado, a Igreja não é uma questão de papéis masculinos ou femininos, mas de papéis que implicam, por vontade divina, a ordenação ou não. Tudo o que um fiel leigo pode fazer, uma fiel leiga também pode fazer. O importante é ter a preparação específica e a idoneidade; ser homem ou mulher não é relevante.


ZENIT: Mas pode existir uma participação real na vida da Igreja, sem atribuições de poder efetivo e de responsabilidade?


Cardeal Piacenza: Quem disse que a participação na Igreja é uma questão de poder? Se fosse assim, cometeriam o grande erro de conceber a própria Igreja não como é, divino-humana, mas simplesmente como uma das muitas associações humanas, talvez a maior e mais nobre, por sua história; e deveria ser “administrada” distribuindo-se o poder.


Nada mais longe da realidade! A hierarquia da Igreja, além de ser de direta instituição divina, deve ser entendida sempre como um serviço à comunhão. Somente um erro, derivado historicamente da experiência das ditaduras, poderia conceber a hierarquia eclesiástica como o exercício de um 'poder absoluto”. Que perguntem isso a quem está chamado a colaborar com a responsabilidade pessoal do Papa pela Igreja universal! São tais e tantas as mediações, consultas, expressões de colegialidade real, que praticamente nenhum ato de governo é fruto de uma vontade única, mas sempre o resultado de um longo caminho, em escuta do Espírito Santo e da preciosa contribuição de muitos.

A colegialidade não é um conceito sociopolítico, mas deriva da comum Eucaristia, do affectus que nasce do alimentar-se do único Pão e do viver da única fé, do estar unidos a Cristo, Caminho, Verdade e Vida. E Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre!


ZENIT: Não é muito o poder que Roma ostenta?


Cardeal Piacenza: Dizer “Roma” significa simplesmente dizer “catolicidade” e “colegialidade”. Roma é a cidade que a providência escolheu como lugar do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo e o que a comunhão com esta Igreja significou sempre na história: comunhão com a Igreja universal, unidade, missão e certeza doutrinal. Roma está ao serviço de todas as Igrejas e muitas vezes protege as Igrejas que estão em dificuldade pelos poderes do mundo e por governos que nem sempre são plenamente respeitosos com o imprescindível direito humano e natural que é a liberdade religiosa.


A Igreja deve ser considerada a partir da constituição dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, incluída, obviamente, a nota prévia ao documento. Lá, está descrita a Igreja das origens, a Igreja dos Padres, a Igreja de todos os séculos, que é a nossa Igreja de hoje, sem descontinuidade, a Igreja de Cristo. Roma está chamada a presidir na caridade e na verdade, únicas fontes reais da autêntica paz cristã. A unidade da Igreja não é o compromisso com o mundo e sua mentalidade, mas o resultado, dado por Cristo, da nossa fidelidade à verdade e da caridade que seremos capazes de viver.


Parece-me significativo, a este respeito, o fato de que hoje só a Igreja, como ninguém, defende o homem e sua razão, sua capacidade de conhecer a realidade e entrar em relação com isso; em resumo, o homem em sua integridade. Roma está a pleno serviço da Igreja de Deus que está no mundo e que é uma “janela aberta” ao mundo, janela que dá voz a todos os que não a têm, que convida todos a uma contínua conversão e, por isso, contribui – muitas vezes no silêncio e com o sofrimento, pagando às vezes com sua impopularidade – para a construção de um mundo melhor, para a civilização do amor.


ZENIT: Este papel de Roma não obstaculiza a unidade e o ecumenismo?


Cardeal Piacenza: O ecumenismo é uma prioridade na vida da Igreja e uma exigência absoluta que provém da própria oração do Senhor: “Ut unum sint”, que se converte, para todo cristão, em um “mandamento da unidade”. Na oração sincera e no espírito de contínua conversão interior, na fidelidade à própria identidade e na comum tensão da perfeita caridade dada por Deus, é necessário comprometer-se com convicção para que não haja contratempos no caminho do movimento ecumênico.


O mundo precisa da nossa unidade; portanto, é urgente continuar comprometendo-nos no diálogo da fé com todos os irmãos cristãos, para que Cristo seja o fermento da nossa sociedade. E também é urgente comprometer-se com os não-cristãos, isto é, no diálogo intercultural, para contribuir unidos para construir um mundo melhor, colaborando nas obras de bem e para que uma sociedade nova e mais humana seja possível. Roma, também nesta terra, tem um papel de propulsão único. Não há tempo para nos dividirmos: o tempo e as energias devem ser empregados para unir-nos.


ZENIT: Nesta Igreja, quem são e que papel têm os sacerdotes de hoje?


Cardeal Piacenza: Não são nem assistentes sociais nem funcionários de Deus! A crise de identidade é especialmente aguda nos contextos mais secularizados, nos quais parece que não existe lugar para Deus. Os sacerdotes, no entanto, são os de sempre: são o que Cristo quis que fossem! A identidade sacerdotal é cristocêntrica e, portanto, eucarística.

Cristocêntrica porque, como o Santo Padre recordou tantas vezes, no sacerdócio ministerial, “Cristo nos atrai dentro de Si”, envolvendo-se conosco e envolvendo-nos na sua própria existência. Tal atração “real” acontece sacramentalmente – portanto, de maneira objetiva e insuperável –, na Eucaristia, da qual os sacerdotes são ministros, isto é, servos e instrumentos eficazes.

Entrevista de Bento XVI com jornalistas rumo a Berlim

Apresentamos a transcrição da entrevista que Bento XVI concedeu hoje aos jornalistas que o acompanharam no avião rumo a Berlim, para sua visita apostólica à Alemanha.


Santidade, bem-vindo entre nós. Somos o acostumado grupo dos seus acompanhantes jornalistas que se preparam para dar um eco da sua viagem à imprensa mundial, e estamos muito agradecidos pelo fato de o senhor, desde o início, ter um tempo para nós, para ajudar-nos a compreender bem o significado desta viagem, que é uma viagem particular, pois vamos à sua pátria e se falará no seu idioma... Na Alemanha, há cerca de quatro mil jornalistas acreditados nas diferentes etapas da viagem. Aqui no avião, somos 68, dos quais aproximadamente 20 são alemães.

Apresento-lhe algumas perguntas. Farei a primeira em alemão, para que o senhor possa falar aos nossos colegas alemães no seu idioma.


Santidade, permita-nos, no começo, fazer-lhe uma pergunta muito pessoal. Até que ponto o Papa Bento XVI ainda se sente alemão? Quais são os aspectos em que – talvez cada vez menos – sua origem alemã o influencia?


Bento XVI: Hölderlin disse, uma vez: “O que mais influencia é o nascimento”, e isso, claro, eu também experimento. Nasci na Alemanha e não se pode nem se deve cortar a raiz. Recebi minha formação cultural na Alemanha, minha língua é o alemão e a língua é a maneira como o espírito vive e age, e toda a minha formação cultural aconteceu nesse ambiente. Quando faço teologia, eu o faço a partir da forma interior que aprendi nas universidades alemãs e infelizmente tenho de admitir que continuo lendo mais livros alemães que em outros idiomas. Por este motivo, no meu jeito de ser, o ser alemão é muito forte. A pertença à sua história, com sua grandeza e fraquezas, não pode e não deve ser eliminada. Para um cristão, no entanto, acrescenta-se outro elemento. Com o Batismo, ele nasce novamente, nasce em um novo povo, que está composto por todos os povos, um povo que abrange todos os povos e todas as culturas e ao qual, a partir desse momento, ele pertence de verdade, sem que isso lhe faça perder sua origem natural. Então, quando se assume uma responsabilidade grande, como acontece no meu caso, já que tenho a responsabilidade suprema neste novo povo, é evidente que a pessoa mergulha cada vez mais nele. A raiz se torna uma árvore que cresce em todas as direções e o fato de pertencer a esta grande comunidade da Igreja Católica, um povo composto por todos os povos, torna-se cada vez mais viva e profunda, forja toda a existência, sem renunciar, por isso, ao passado. Eu diria, portanto, que a origem permanece, permanece a origem cultural, permanece também o amor particular e a responsabilidade particular, mas integrados e ampliados em uma pertença mais ampla, na civitas Dei, como diria Santo Agostinho, no povo de todos os povos, no qual todos nós somos irmãos e irmãs.


Santo Padre, nos últimos anos, houve um aumento dos abandonos na Igreja, em parte devido aos abusos cometidos contra menores por membros do clero. Qual é o seu sentimento sobre este fenômeno? O que o senhor diria a quem quer abandonar a Igreja?


Bento XVI: Antes de tudo, temos de distinguir o motivo específico pelo qual se sentem escandalizados por estes crimes registrados nos últimos tempos. Posso compreender que, à luz dessas informações, sobretudo se forem pessoas próximas, a pessoa diga: “Esta já não é a minha Igreja. A Igreja era, para mim, força de humanização e de moralização. Se os representantes da Igreja fazem o contrário, já não posso viver com esta Igreja”. Esta é uma situação específica. Geralmente, os motivos são múltiplos, no contexto do secularismo da nossa sociedade. Em geral, estes abandonos são o último passo de um longo trajeto de afastamento da Igreja. Neste contexto, parece-me importante perguntar-se: “Por que estou na Igreja? Estou na Igreja como em uma associação esportiva, uma associação cultural etc., na qual encontro resposta para os meus interesses e, se não for assim, vou embora? Ou estar na Igreja é algo mais profundo?”. Eu diria que é importante reconhecer que estar na Igreja não quer dizer fazer parte de uma associação, mas estar na rede do Senhor, que pesca peixes bons e maus das águas da morte, para levá-los às terras da vida. Pode ser que, nesta rede, eu esteja junto a peixes malvados e sinto muito, mas é verdade que não estou por causa deste ou daquele outro, mas porque é a rede do Senhor, que é algo diferente de todas as associações humanas, uma rede que toca o fundamento do meu ser. Falando com essas pessoas, acho que temos de ir até o fundo da questão: o que é a Igreja? Qual é a sua diversidade? Por que estou na Igreja, ainda que se deem escândalos terríveis? Assim, é possível renovar a consciência do caráter específico de ser Igreja, povo de todos os povos, que é povo de Deus; e aprender, dessa maneira, a suportar também os escândalos e trabalhar contra os escândalos, fazendo parte precisamente dessa grande rede do Senhor.


Não é a primeira vez que grupos de pessoas se manifestam contra a sua chegada a um país. A relação da Alemanha com Roma era tradicionalmente crítica, em parte inclusive dentro do próprio âmbito católico. Os temas de controvérsia são conhecidos há muito tempo: o preservativo, a Eucaristia, o celibato. Antes da sua viagem, inclusive parlamentares assumiram posições de crítica. Mas antes da sua viagem à Grã-Bretanha, a atmosfera tampouco parecia amigável e, depois, tudo saiu bem. Com que sentimentos o senhor empreende esta viagem à sua pátria e se dirigirá aos alemães?


Bento XVI: Antes de mais nada, eu diria que é algo normal que, em uma sociedade livre e em uma época secularizada, haja posições contra uma visita do Papa. É justo que expressem sua contrariedade na frente de todos: faz parte da nossa liberdade e temos de reconhecer que o secularismo, e precisamente a oposição ao catolicismo, é forte nas nossas sociedades. Quando estas oposições se expressam de uma maneira civilizada, não se pode dizer nada contra. Por outro lado, também é verdade que há muitas expectativas e muito amor pelo Papa. Na Alemanha, há várias dimensões desta oposição: a antiga oposição entre cultura germânica e românica, os choques da história... Além disso, estamos no país da Reforma, que acentuou estes contrastes. Mas se dá também um grande consenso sobre a fé católica, uma convicção cada vez maior de que, na nossa época, temos necessidade de uma força moral. Temos necessidade de uma presença de Deus no nosso tempo. Junto à oposição, que considero normal, há muita gente que me espera com alegria, que espera uma festa de fé, estar juntos, a alegria de conhecer a Deus e viver juntos no futuro, que Deus nos conduz pela mão e nos mostra o caminho. Por este motivo, vou com alegria à minha Alemanha e me sinto feliz por levar a mensagem de Cristo à minha terra.


Uma última pergunta. Santo Padre, o senhor visitará Erfurt, o antigo convento do reformador Martinho Lutero. Os cristãos evangélicos – e os católicos em diálogo com eles – estão se preparando para comemorar o 50º centenário da Reforma. Com que mensagem, com que pensamentos o senhor está se preparando para esse encontro? Esta viagem pode ser interpretada como um gesto fraterno com os irmãos e irmãs separados de Roma?


Bento XVI: Quando aceitei o convite para realizar esta viagem, para mim era evidente que o ecumenismo com os nossos amigos evangélicos deveria ser um ponto forte e central desta viagem. Vivemos em uma época de secularismo, como já comentei, na qual os cristãos, juntos, têm a missão de tornar presente a mensagem de Deus, a mensagem de Cristo, fazer que crer seja possível, avançar com estas grandes ideias, a verdade. Dessa maneira, estar juntos, católicos e evangélicos, torna-se um elemento fundamental para a nossa época, ainda que institucionalmente não estejamos perfeitamente unidos e ainda que permaneçam grandes problemas, problemas no fundamento da fé em Cristo, no Deus trinitário e no homem, como imagem de Deus. Estamos unidos e devemos mostrar isso ao mundo; e aprofundar nesta unidade é essencial neste momento histórico. Por este motivo, sinto-me muito agradecido com os nossos amigos, irmãos e irmãs, protestantes, que tornaram possível um gesto muito significativo: o encontro no mosteiro onde Lutero começou seu caminho teológico, a oração na igreja onde ele foi ordenado sacerdote, e falar juntos sobre a nossa responsabilidade de cristãos nesta época. Estou muito feliz por poder manifestar esta unidade fundamental, que somos irmãos e irmãs e trabalhamos juntos pelo bem da humanidade, anunciando a alegre mensagem de Cristo, do Deus que tem um rosto humano e que fala conosco.


[Transcrição realizada pela Rádio Vaticano e pelo Centro Televisivo Vaticano.

Tradução de Aline Banchieri.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Constituição anti-“homofobia” para o Brasil: um sonho de Marta Suplicy e OAB

Julio Severo
A senadora Marta Suplicy (PT-SP) elogiou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), elaborada pela Comissão Especial de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que quer ampliar privilégios a indivíduos viciados em práticas homossexuais.

O texto tem a pretensão de introduzir na Constituição todas as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que favoreceram a agenda gay, inclusive a garantia de união estável para duplas homossexuais, com direito à conversão em casamento e adoção de crianças.
De acordo com a agência de notícias do Senado, “a PEC tem como um de seus principais ponto a criminalização da homofobia e estabelece a pena de dois a cindo anos de reclusão para aqueles que praticarem atos de discriminação e preconceito em virtude da orientação sexual de alguém. A mesma punição se estende aos que incitarem o ódio ou pregarem [contra a] orientação sexual ou identidade de gênero”.
Com a aprovação da PEC, a própria Constituição do Brasil se transformará num PLC 122. Mas Suplicy reconhece que a tentativa de transformar a Constituição do Brasil numa constituição anti-“homofobia” certamente enfrentará resistência de “setores como o da igreja”.
A senadora acredita que, estrategicamente, será importante aprovar primeiro o PLC 122/2006, pois sua tramitação está mais avançada, tendo já sido aprovado sorrateiramente na Câmara dos Deputados e restando apenas a votação no Senado. O segundo passo, na avaliação de Marta, é apresentar a PEC, que é uma matéria mais ampla e complexa. “A PEC é bem mais difícil de aprovar. Então, vamos começar com a homofobia e avaliar o momento adequado para fazer uma PEC com essa amplitude, que é realmente o sonho que nós gostaríamos para todo o País”, explicou a senadora à agência do Senado.
O Estatuto da Diversidade Sexual conta com 109 artigos, que alteram 132 dispositivos legais. O Estatuto criminaliza a homofobia, reconhece o direito à livre orientação sexual e iguala os direitos fundamentais entre heterossexuais e LGBTs.
Eis algumas dos “avanços” que o Estatuto da Diversidade Sexual propõe:
Legitimação da PEDOFILIA e outras anormalidades sexuais:
Título III, Art. 5º § 1º – É indevida a ingerência estatal, familiar ou social para coibir alguém de viver a plenitude de suas relações afetivas e sexuais.
Sob essa lei, a família nada poderá fazer para inibir um problema sexual nos filhos. A sociedade nada poderá fazer. E autoridades governamentais que ainda restarem com um mínimo de bom senso estarão igualmente impedidas de “interferir”.
Retirar o termo PAI E MÃE dos documentos:
Título VI, Art. 32 – Nos registros de nascimento e em todos os demais documentos identificatórios, tais como carteira de identidade, título de eleitor, passaporte, carteira de habilitação, não haverá menção às expressões “pai” e “mãe”, que devem ser substituídas por “filiação”.
Essa lei visa beneficiar diretamente os ajuntamentos homossexuais desfigurados tratados como família. Para que as crianças se acostumem com “papai e papai” ou “mamãe e mamãe”, é preciso eliminar da mente delas o normal: “papai e mamãe”.
Começar aos 14 ano os preparativos para a cirurgia de mudança de sexo aos 18 anos (pode começar com hormônios sexuais para preparar o corpo):
Título VII, Art. 37 – Havendo indicação terapêutica por equipe médica e multidisciplinar de hormonoterapia e de procedimentos complementares não-cirúrgicos, a adequação à identidade de gênero poderá iniciar-se a partir dos 14 anos de idade.
Título VII, Art. 38 - As cirurgias de redesignação sexual podem ser realizadas somente a partir dos 18 anos de idade.
Cirurgias de mudança de sexo nos hospitais particulares e no SUS:
Título VII, Art. 35 – É assegurado acesso aos procedimentos médicos, cirúrgicos e psicológicos destinados à adequação do sexo morfológico à identidade de gênero.
Parágrafo único – É garantida a realização dos procedimentos de hormonoterapia e transgenitalização particular ou pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
Uso de banheiros e vestiários de acordo com a sua opção sexual do dia:
Título VII, Art. 45 – Em todos os espaços públicos e abertos ao público é assegurado o uso das dependências e instalações correspondentes à identidade de gênero.
Não é permitido deixar de ser homossexual com ajuda de profissionais nem por vontade própria:
Título VII, Art. 53 – É proibido o oferecimento de tratamento de reversão da orientação sexual ou identidade de gênero, bem como fazer promessas de cura.
O Kit Gay será desnecessário, pois será dever do professor sempre abordar a diversidade sexual e consequentemente estimular a prática:
Título X, Art. 60 – Os profissionais da educação têm o dever de abordar as questões de gênero e sexualidade sob a ótica da diversidade sexual, visando superar toda forma de discriminação, fazendo uso de material didático e metodologias que proponham a eliminação da homofobia e do preconceito.
Contos infantis que apresentem casais heterossexuais devem ser banidos se também não apresentarem duplas homossexuais travestidas de “casais:
Título X, Art. 61 – Os estabelecimentos de ensino devem adotar materiais didáticos que não reforcem a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero.
As escolas não podem incentivar a comemoração do Dia dos Pais e das Mães:
Título X, Art. 62 – Ao programarem atividades escolares referentes a datas comemorativas, as escolas devem atentar à multiplicidade de formações familiares, de modo a evitar qualquer constrangimento dos alunos filhos de famílias homoafetivas.
Cotas nos concursos públicos para homossexuais assim como já existem para negros no RJ, MS e PR e cotas em empresas privadas com já existe para deficientes físicos:
Título XI, Art. 73 – A administração pública assegurará igualdade de oportunidades no mercado de trabalho a travestis e transexuais, transgêneros e intersexuais, atentando ao princípio da proporcionalidade.
Parágrafo único – Serão criados mecanismos de incentivo a à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.
Casos de pedofilia homossexual irão correr em segredo de justiça:
Título XIII, Art. 80 – As demandas que tenham por objeto os direitos decorrentes da orientação sexual ou identidade de gênero devem tramitar em segredo de justiça.
Censura a piadas sobre gays:
Título XIV, Art. 93 – Os meios de comunicação não podem fazer qualquer referência de caráter preconceituoso ou discriminatório em face da orientação sexual ou identidade de gênero.
“O Estatuto da Diversidade Sexual é um avanço. Isso nunca havia sido pensado em relação às questões LGBT”, reconheceu Marta Suplicy, classificando-o como de importância “inquestionável”.
O Estatuto defende que o Estado é obrigado a investir dinheiro público para homossexuais que querem caros procedimentos de reprodução assistida por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e também o Estado é obrigado a criar delegacias especializadas para o atendimento de denúncias por preconceito sexual contra homossexuais, atendimento privado para exames durante o alistamento militar e assegura a visita íntima em presídios para homossexuais e lésbicas.
Com informações de Renato Tambellini e da agência Senado.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Discusão a respeito da Reforma Política.

O relator da proposta de Reforma Política na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana, publicou no seu site uma resposta aos comentários que fiz sobre o anteprojeto em discussão na Comissão (veja o texto Reforma política: relator do PT quer trocar o ruim pelo pior). Reproduzo abaixo sua resposta, acrescentando meus comentários (em negrito) a cada um dos itens por ele abordados.

Prezado José Serra,

Li com atenção suas considerações a respeito do anteprojeto de Reforma Política. Tenho acompanhado com satisfação o intenso debate despertado pela proposta, dentro e fora do Congresso Nacional, e recebido inúmeras sugestões de alterações pontuais no anteprojeto. Estou convencido de que, por meio de discussão a mais ampla e qualificada possível, encontraremos os caminhos que aperfeiçoarão a democracia brasileira. Nesse debate, percebo que um dos pontos em comum é a insatisfação com o modelo atual, caracterizado pela crescente dependência do sistema representativo em relação aos recursos dos financiadores privados. Em política, a insatisfação e o desconforto são o primeiro passo para a adesão à mudança.

Devemos lembrar que, se os arranjos institucionais são um conjunto de regras formais e informais que condicionam o comportamento dos atores, estes também são construções decorrentes da vontade humana, podendo, assim, ser modificados. Ademais, as normas não são criadas em condições de isolamento, de plena abstração em relação aos problemas enfrentados por uma sociedade em determinada conjuntura histórica específica. Ao contrário, as instituições que regulam a vida política em determinado momento são a resultante das influências de um conjunto de forças políticas, de classes e grupos de interesse diversos, que apresentaram seus diagnósticos sobre os principais problemas enfrentados pelo sistema político de uma sociedade específica. Não basta, portanto, criticar sem apontar caminhos.

Quem me acompanha na vida pública sabe da minha obsessão por discutir e executar propostas viáveis, planejadas a partir de diagnósticos bem feitos. Lamento lembrar que se algum partido tem no DNA, o espírito da crítica pela crítica, é o PT, que por muito tempo viveu de uma política negativa, fazendo oposição sistemática a todas as ações propostas por outros governos. No caso particular do sistema eleitoral, já expressei diversas vezes minha principal proposta: a adoção do voto distrital uninominal nas eleições municipais já em 2012, como caminho para a futura adoção do voto distrital misto em nível nacional. Escrevi sobre isso no texto Diretas já em 2012.


Passo a comentar as propostas que apresentamos em nosso anteprojeto, dando prioridade aquelas que foram objeto dos seus comentários (registro apenas, para conhecimento dos leitores, que o anteprojeto trata de outros pontos, tais como a iniciativa popular de Leis e Propostas de Emendas à Constituição, a limitação das comissões provisórias dos partidos, o fim das coligações nas eleições proporcionais, as políticas de ação afirmativa de gênero, raça e a regulamentação das formas de escolha dos candidatos que farão parte das listas partidárias preordenadas, por meio do voto secreto dos convencionais ou filiados).

Em primeiro lugar, ao contrário do que foi sugerido, a proposta não entrega aos partidos o controle sobre a distribuição de recursos e, portanto, sobre o sucesso eleitoral dos candidatos. O Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais estabelece critérios absolutamente transparentes para a distribuição dos recursos entre as campanhas para cada cargo, em cada estado ou município e entre os partidos políticos, a partir de resultados das eleições anteriores. A partir dessas regras, definidas pela legislação, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral transferir os recursos do Fundo para os comitês financeiros dos partidos, em contas bancárias específicas para cada campanha. Ademais, estabelecemos que, nas eleições proporcionais, diferentemente do modelo atual, no qual muitos candidatos buscam o voto nominal sem qualquer apoio dos seus partidos, pelo menos 50% dos recursos recebidos para as campanhas de determinado cargo devem ser gastos igualitariamente entre todos os candidatos do partido.

O fato de os critérios para distribuição dos recursos entre os partidos estarem previstos na lei não altera o cerne do meu argumento: a decisão sobre quais candidatos privilegiar, dentro de uma determinada circunscrição, estará inteiramente nas mãos da direção partidária. Será dela a prerrogativa de definir a alocação, entre os candidatos do partido, de metade dos recursos disponíveis pelo Fundo, o que está longe de significar uma competição em igualdade de condições.


Nas regras de distribuição dos recursos do Fundo entre os partidos, contemplamos o critério da igualdade entre todos os partidos com registro no TSE (5%) e entre todas as agremiações que elegeram um representante na Câmara dos Deputados na eleição anterior (15%). Contudo, nem todos os partidos possuem a mesma força relativa na sociedade. Por essa razão, estabelecemos que 80% dos recursos devem ser alocados de forma proporcional aos votos dos partidos na última eleição para a Câmara dos Deputados (aliás, este é o critério usado pela maioria dos países que financiam eleições com recursos públicos). Considerando que o tamanho dos partidos não é decidido por eles mesmos, não nos parece haver forma mais democrática de mensurá-lo do que em função do número de votos que conquistaram em uma eleição nacional. Além disso, como estamos preservando a representação proporcional e assegurando percentual de 20% a ser distribuído segundo critérios igualitários, estamos convencidos de que a regra proposta permitirá que os partidos possam crescer (ou diminuir) de tamanho de acordo com o respaldo que seus projetos e políticas alcançaram na sociedade, inclusive quando estiveram no exercício do poder.

É curioso que esta proposta venha à tona quando seus maiores beneficiários, por terem atualmente as maiores bancadas, sejam o PT e o PMDB, principais partidos da base aliada do governo. O que argumentei no meu texto original é a deficiência desse critério: pela proposta, se após quatro anos um governo (hipotético) se mostrar desastroso e com baixa aprovação popular, ainda assim muito provavelmente terá direito à maior parte dos recursos eleitorais, que serão definidos pelos resultados de uma eleição realizada quatro anos antes! Não basta o fato de que a distribuição do tempo de TV já siga esse critério? A proposta dificulta, e muito, o surgimento de novas forças políticas, ao dar um poder desproporcional, via recursos públicos, ao status quo partidário.


Não nos surpreende que a regra que veda as doações diretas dos financiadores de campanha aos partidos ou candidatos cause algum desconforto àqueles que contam com o apoio dos grandes doadores. Trata-se de um dos pilares do modelo proposto. Os doadores privados que quiserem contribuir com a democracia brasileira poderão fazê-lo de modo republicano e transparente, sem que os representantes tornem-se dependentes dos recursos privados indispensáveis ao êxito eleitoral, em um contexto no qual as campanhas têm apresentado custos sempre crescentes. Ademais, no sistema atual de financiamento, os principais financiadores elaboram, entre quatro paredes, as “listas fechadas” dos candidatos de acordo com suas preferências ideológicas, em detrimento de amplo conjunto de forças políticas e movimentos sociais que, apesar da legitimidade de suas demandas, não obtêm os recursos necessários para alcançarem sua representação no sistema político. Essa desigualdade criada pelo acesso diferenciado aos recursos econômicos manifesta-se nas chances diferenciadas de sucesso eleitoral entre os diversos candidatos em disputa. Analisando a prestação de contas dos candidatos a Deputado Federal, em 2010, constatamos que, entre os 513 eleitos, 369 candidatos foram os que mais gastaram nos seus estados, o que representa 71,93% da Câmara.

Para falar de grandes doadores, seria mais adequado fazer referência à campanha presidencial do PT do ano passado, tendo sido a mais cara dentre todas e a que mais contou com recursos de “grandes doadores”. Um dos aspectos mais instigantes da proposta do deputado é que em vez de propor um financiamento público exclusivo – que é o que o PT diz defender, quando fala sobre o assunto – ele abre uma brecha para que empresas privadas doem ao Fundo, mas conforme critérios que garantem que todo recurso privado destinado às eleições seja canalizado prioritariamente para as campanhas dos maiores partidos – no caso, PMDB e PT.

Quanto aos defeitos do sistema atual, em termos dos custos de campanha e influência do poder econômico, divergimos quanto à solução: defendo a adoção do sistema conhecido entre nós como distrital misto, em que uma parte dos deputados é eleita pelo sistema proporcional e a outra no modelo distrital, majoritário, combinando de forma clara as qualidades de ambos os sistemas. Aí sim teríamos uma aproximação do representante com o eleitor e uma redução real no custo de campanha.


Ademais, os dados disponíveis no sítio do TSE na internet apontam para o crescimento crescente do custo das campanhas eleitorais. Em 2002, os gastos declarados por partidos e candidatos nas campanhas para Deputado Federal alcançaram R$ 189,6 milhões; em 2010, esse valor chegou ao montante de R$ 908,2 milhões, um crescimento de 479% em oito anos. Se continuarmos nesse ritmo exponencial de aumento dos gastos, em poucos anos o sistema político brasileiro será ocupado por apenas dois tipos de candidatos: os muito ricos ou aqueles que abrem mão de suas convicções e propostas para atender aos interesses dos seus financiadores de campanha. Em contrapartida, o financiamento público proporcionará maior igualdade entre os partidos e candidatos e permitirá, ao mesmo tempo, que muitas pessoas que não ingressam na vida pública por falta de recursos possam se sentir estimuladas a participar da disputa em uma campanha eleitoral.

Em articulação com o fortalecimento do debate programático, da democratização da vida partidária, da redução do custo das campanhas e da influência do poder econômico no sistema político, estamos propondo que o maior valor recebido por um partido político em uma determinada eleição constituirá teto naquela disputa. A partir dos valores dos recursos distribuídos entre os partidos pelo TSE, que serão públicos, tanto os atores do sistema político como a população poderão acompanhar os gastos realizados pelos partidos por meio das declarações das despesas efetuadas a cada quinze dias, em sítio específico para este fim organizado pela Justiça Eleitoral. A partir dessas regras, os partidos deverão racionalizar e organizar suas despesas, sabendo que deverão realizar todos gastos das campanhas apenas com os recursos recebidos do Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais. Em contraste com o modelo atual, que apresenta grande disparidade entre a capacidade de arrecadação dos partidos e candidatos, num sistema baseado no financiamento das campanhas a partir de critérios republicanos, as diferenças relativas entre os partidos serão reduzidas. Ao mesmo tempo, ao racionalizarem seus gastos, os partidos deverão concentrar suas campanhas na elaboração de propostas coletivas, de modo que seus candidatos não desvinculem suas propostas políticas pessoais das ideias partidárias.

O problema com essa linha de argumentação é supor que o financiamento público terá o poder mágico de reduzir os custos de campanha. O anteprojeto do relator prevê um sistema eleitoral que preservará todas as características que levam aos altos custos atuais: os candidatos continuarão a ter de percorrer seu Estado (ou sua cidade, nas eleições municipais) inteiro(a) em busca de votos, e seguirão competindo ferrenhamente com centenas de rivais, incluindo seus próprios colegas de partido. Resultado: ou o Governo será pressionado a elevar o financiamento público a níveis estratosféricos, desviando recursos públicos preciosos de áreas como educação e saúde; ou, na prática, se estará institucionalizando o caixa dois. Mas o caixa dois aumentaria de qualquer modo se viesse a prevalecer o sistema eleitoral proposto pelo relator Fontana.


Também estamos propondo, de forma coerente com as regras do financiamento público, um sistema eleitoral que, por intermédio da valorização das campanhas coletivas e programáticas, tenderá a reduzir drasticamente os seus custos. Ao mesmo tempo em que preserva os benefícios proporcionados pela lista partidária preordenada, o sistema proposto não retira do eleitor a possibilidade de interferir no ordenamento da lista, alterando a posição do candidato de sua preferência. Ademais, outra novidade decorrente da introdução do voto duplo nas eleições proporcionais é que o eleitor deverá considerar o seu voto de uma perspectiva partidária. Como os dois votos serão computados no cálculo dos quocientes eleitoral e partidário, os partidos serão estimulados a defender suas propostas e ideias inclusive nas eleições proporcionais, que hoje se caracterizam pelo excessivo personalismo e ausência de espaço para o debate das propostas políticas que serão defendidas no Parlamento.

Ao mesmo tempo, como o eleitor poderá votar em candidatos de partidos diferentes, os partidos deverão ser muito criteriosos tanto na seleção dos candidatos, no posicionamento a eles conferido na lista partidária preordenada e na apresentação de suas propostas políticas, pois o leque das opções à disposição do eleitor não ficará comprometido pela vinculação a priori entre os dois votos (a propósito da desvinculação entre os dois votos, vale lembrar que esta é permitida também na Alemanha, por exemplo, onde o eleitor pode votar em um partido, no voto na lista preordenada, e em candidato de partido diferente, no distrito). Para que possamos ampliar a compreensão dessa sistemática pelo conjunto do eleitorado, o anteprojeto estabelece que o TSE, em seus comunicados nos meios de comunicação, deverá promover campanhas de esclarecimento da população a respeito das regras da representação proporcional adotadas no país. Ademais, reafirmamos o nosso compromisso com a representação proporcional, o direito de voz e de representação às minorias e com a preservação do voto de opinião, comprometidos quando utilizamos o sistema majoritário.

Infelizmente, é difícil imaginar como as campanhas se tornarão “coletivas e programáticas” se o eleitor vai continuar a ter de escolher entre milhares de candidatos disputando entre si os votos de todo um Estado ou município, como ocorre hoje. Aliás, o personalismo das campanhas pode até aumentar: isso porque os partidos que têm poucos votos de legenda tentarão compensar essa deficiência apresentando candidatos de apelo popularesco, como celebridades e excêntricos.

Não há comparação possível com o sistema alemão. Na Alemanha, o eleitor possui dois votos, mas com critérios distintos: um voto elege o representante do seu distrito, por critério majoritário (como se fosse uma eleição para prefeito: cada partido apresenta um candidato, e o mais votado é eleito). O outro voto é na legenda de um partido, e será ocupado conforme ordenação da lista partidária. Nesse modelo sim as campanhas são muitíssimo mais baratas, pois os candidatos pelo critério majoritário fazem campanha apenas no seu distrito, disputando com meia dúzia de concorrentes – e não milhares pelo Estado todo, como no modelo proporcional atual, mantido na proposta do relator.


Em síntese, o fortalecimento dos partidos, a drástica redução da influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e a manutenção das virtudes da representação proporcional constituem os pilares do sistema proposto ao país. Aos que pensam de forma diferente, peço que apresentem, de forma coerente e articulada, soluções para os problemas inadiáveis que deveremos enfrentar.

A primeira pergunta a fazer, no caso de mudanças no sistema eleitoral, é qual o seu objetivo. Entendo que uma reforma política deva atender a três demandas principais: democratizar a política, tornar as eleições mais baratas e aproximar o eleitor do seu representante.

O sistema proporcional existente hoje no Brasil eleva demais o custo das campanhas, fortalece o individualismo e distancia representante e representado – poucos se lembram a quem deram o voto, para vereador ou deputado.O anteprojeto só pioraria esse estado de coisas, tornando o processo ainda mais confuso. Querem confusão maior do que um eleitor votar num partido e, ao mesmo tempo, num nome de outro partido?

Estou convicto, há muito tempo, de que o voto distrital seria o melhor remédio para os problemas do nosso sistema. Com ele os deputados disputariam votos numa circunscrição bem menor do que a atual, o que baratearia a eleição. Em cada distrito, cada partido só teria um candidato, o que reforçaria a identidade das legendas; e os eleitores saberiam sempre o nome do “seu” parlamentar, mesmo que não tivessem dado seu voto a ele, o que garantiria um nível de pressão popular e cobrança muito maior sobre o Congresso Nacional.

Como a introdução do voto distrital significaria uma grande mudança de cultura política, tenho proposto uma adoção gradual, começando pelas eleições para vereador nos municípios com mais de 200 mil eleitores (aqueles em que há segundo turno nas eleições para prefeito). Por se tratar de uma eleição local, nelas poderia ser adotado o voto distrital puro: elas seriam divididas em tantos distritos eleitorais quantos forem os vereadores a serem eleitos; em cada distrito, o candidato mais votado é eleito. É um modelo simples, transparente e muito menos custoso.

Catequese do Papa: Deus presente no momento de angústia‏

Apresentamos, a seguir, a catequese que o Papa Bento XVI dirigiu hoje aos fiéis reunidos para a audiência geral na Praça de São Pedro.

Queridos irmãos e irmãs:

Na catequese de hoje, eu gostaria de falar sobre um salmo de fortes implicações cristológicas, que continuamente aflora nos relatos da paixão de Jesus, com sua dupla dimensão de humilhação e de glória, de morte e de vida. É o salmo 22, segundo a tradição judaica, 21 segundo a tradição greco-latina, uma oração sincera e comovente, de uma densidade humana e uma riqueza teológica que o convertem em um dos salmos mais rezados e estudados de todo o Saltério. Trata-se de uma longa composição poética (nós nos deteremos em particular na primeira parte), concentrada no lamento, para aprofundar em algumas dimensões significativas da oração de súplica a Deus.

Este salmo apresenta a figura de um inocente perseguido e cercado por adversários que querem a sua morte; ele recorre a Deus, em um lamento doloroso que, na certeza da fé, se abre misteriosamente ao louvor. Em sua oração, a realidade angustiante do presente e a lembrança consoladora do passado se alternam, em uma sofrida tomada de consciência da própria situação desesperadora que não quer renunciar à esperança. Seu grito inicial é um chamado dirigido a Deus, que parece distante, que não responde e que parece tê-lo abandonado:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

E permaneceis longe de minhas súplicas e de meus gemidos?

Meu Deus, clamo de dia e não me respondeis;

imploro de noite e não me atendeis.”(v. 2 y 3)

Deus se cala e este silêncio fere o ânimo do orante, que clama incessantemente, mas sem encontrar resposta. Os dias e as noites se sucedem na busca incansável de uma palavra, de uma ajuda que não chega; Deus parece muito distante, muito esquecido, muito ausente. A oração pede escuta e resposta, solicita um contato, busca uma relação que possa dar-lhe consolo e salvação. Mas, se Deus não responde, o grito de ajuda se perde no vazio e a solidão se torna algo insuportável. Além disso, o orante do nosso salmo chama o Senhor três vezes de “meu Deus”, em um extremo ato de confiança e de fé. Não obstante as aparências, o salmista não pode acreditar que o vínculo com o Senhor tenha se rompido totalmente e, enquanto pede um porquê do suposto abandono incompreensível, afirma que o “seu” Deus não pode abandoná-lo.

Como se sabe, o grito inicial do salmo – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” – é citado nos evangelhos de Mateus e Marcos como o grito lançado por Jesus quando morre na cruz (cf. Mt 27,46; Mc15,34). Expressa toda a desolação do Messias, Filho de Deus, que está enfrentando o drama da morte, uma realidade totalmente contraposta ao Senhor da vida. Abandonado por quase todos os seus, traído e negado pelos seus discípulos, cercado pelos que o insultam, Jesus está sob o peso esmagador de uma missão de deve passar pela humilhação e pelo aniquilamento. Por isso, grita ao Pai e seu sofrimento assume as palavras dolentes do salmo. No entanto, o seu não é um grito desesperado, como foi o do salmista, que, em sua súplica, percorre um caminho atormentado que chega finalmente a uma perspectiva de louvor, na confiança da vitória divina. E já que, no costume judaico, citar o início de um salmo implicava em uma referência ao poema completo, a oração de Jesus agonizante, ainda que mantenha sua carga de sofrimento indizível, abre-se à certeza da glória. “Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso para entrar na sua glória?”, dirá o Ressuscitado aos discípulos de Emaús (Lc 24,26). Na sua Paixão, em obediência ao Pai, o Senhor Jesus atravessa o abandono e a morte para alcançar a vida e dá-la a todos os crentes.

A este grito inicial de súplica, no nosso salmo 22-21, seguidamente, em uma dolorosa comparação, recorda o passado:

“Nossos pais puseram sua confiança em vós,

esperaram em vós e os livrastes.

A vós clamaram e foram salvos;

confiaram em vós e não foram confundidos”(v. 5 y 6).

Esse Deus, que hoje parece distante para o salmista, é o Senhor misericordioso que Israel experimentou sempre em sua história. O povo, ao qual pertence o orante, foi objeto do amor de Deus e pode testificar sua fidelidade. Começando pelos patriarcas, depois no Egito e na longa peregrinação no deserto, durante a permanência na terra prometida, no contato com povos agressivos e inimigos até a escuridão do exílio, toda a história bíblica foi uma história de petição de auxílio por parte do povo e de respostas salvíficas por parte de Deus. E o salmista faz referência à inquebrantável fé dos seus pais, que “confiaram” – este verbo se repete três vezes – sem jamais serem defraudados. Agora, no entanto, é como se essa corrente de invocações confiadas e respostas divinas tivesse se interrompido. A situação do salmista parece desmentir toda a história da salvação, tornando mais dolorosa a realidade presente.

Mas Deus não pode desmentir-se, e então a oração volta a descrever a penosa situação do orante, para fazer que o Senhor tenha piedade e intervenha, como havia feito sempre no passado. O salmista se define – “Eu, porém, sou um verme, não sou homem, o opróbrio de todos e a abjeção da plebe” (v.7) –, zombam dele, desprezam-no (cf. v. 8) e o ferem em sua própria fé: “Esperou no Senhor, pois que ele o livre, que o salve, se o ama” (v.9). Sob os golpes zombadores da ironia e do desprezo, parece que o perseguido perde suas conotações humanas, como o Servo Sofredor do livro de Isaías (cf. Is 52,14; 53,2b-3). Como o justo oprimido do livro da Sabedoria (cf. 2,12-20), como Jesus no Calvário (cf. Mt 27,39-43), o salmista vê como se põe em dúvida sua relação com o Senhor, a ênfase cruel e sarcástica dos que estão lhe fazendo sofrer: o silêncio de Deus, sua aparente ausência. No entanto, Deus está presente na existência do orante com uma proximidade e uma ternura inquestionáveis. O salmista recorda isso ao Senhor: “Sim, fostes vós que me tirastes das entranhas de minha mãe e, seguro, me fizestes repousar em seu seio. Eu vos fui entregue desde o meu nascer”(v. 10-11a). O Senhor é o Deus da vida, que faz nascer e acolhe o neonato, e cuida dele com afeto de um pai. E se antes se havia recordado a fidelidade de Deus na história do seu povo, agora o orante evoca sua própria história pessoal de relação com o Senhor, remontando-se ao momento particularmente importante do início da sua vida. E lá, não obstante a desolação do presente, o salmista reconhece uma proximidade e um amor divino tão radicais, que agora pode exclamar, em uma confissão cheia de fé e geradora de esperança: “Desde o ventre de minha mãe vós sois o meu Deus” (v.11b).

O lamento se converte agora em uma súplica comovente: “Não fiqueis longe de mim, pois estou atribulado; vinde para perto de mim, porque não há quem me ajude” (v.12). A úncia proximidade que o salmista percebe e que o aterroriza é a dos seus inimigos. Portanto, é necessário que Deus se torne próximo e que o socorra, porque os inimigos rodeiam o orante, cercam-no e são como touros poderosos,abrem suas fauces, como o leão que ruge e arrebata(cf. v. 13-14). A angústia altera a percepção do perigo, aumentando-o. Os adversários parecem invencíveis, converteram-se em animais ferozes e perigosíssimos, enquanto o salmista é como um pequeno verme, impotente, sem defesa alguma. Mas estas imagens, usadas no salmo, servem para dizer que, quando o homem é um ser brutal que agride seus irmãos, algo animal o possui, parece perder sua aparência humana; a violência tem algo de bestial e somente a intervenção salvadora de Deus pode restituir a humanidade ao homem. Agora, para o salmista, objeto de tão feroz agressão, parece que não há saída e que a morte começa a possuí-lo: “Derramo-me como água, todos os meus ossos se desconjuntam(…).Minha garganta está seca qual barro cozido, pega-se no paladar a minha língua (...). Repartem entre si as minhas vestes, e lançam sorte sobre a minha túnica” (v. 15.16.19).

Com imagens dramáticas, que encontramos nos relatos da Paixão de Cristo, descreve-se a descomposição do corpo do condenado, o calor insuportável que atormenta o moribundo e que encontra eco na petição de Jesus: “Tenho sede” (cf. Jn 19,28), até alcançar o gesto definitivo com que os torturadores, como os soldados sob a cruz, repartem as vestes da vítima, a quem consideram morta (cf. Mt 27,35; Mc 15,24; Lc 23,34; Jn 19,23-24).

E, novamente, a petição de socorro urgente: “Porém, vós, Senhor, não vos afasteis de mim; ó meu auxílio, bem depressa me ajudai. Salvai-me” (vv. 20.22a). Este é um grito que abre os céus, porque proclama uma fé, uma segurança que vai além de toda dúvida, de toda escuridão e de toda desolação. E o lamento se transforma, dá lugar ao louvor no acolhimento da salvação: “Anunciarei vosso nome a meus irmãos, e vos louvarei no meio da assembleia” (v.23). Assim, o salmo se abre à ação de graças, ao grande hino final do qual participa todo o povo, os fiéis do Senhor, a assembleia litúrgica, as gerações futuras (cf. v. 24-32). O Senhor veio em seu socorro, salvou o pobre e lhe mostrou o rosto da sua misericórdia. Morte e vida se cruzaram em um mistério inseparável do qual a vida saiu vitoriosa; o Deus da salvação se mostrou como Senhor indiscutível, diante do qual todos os confins da terra celebrarão e todas as famílias dos povos se prostrarão. É a vitória da fé, que pode transformar a morte em dom de vida, o abismo da dor em fonte de esperança.

Queridíssimos irmãos e irmãs, este salmo nos levou ao Gólgota, aos pés da cruz, para reviver sua paixão e compartilhar a alegria fecunda da ressurreição. Deixemo-nos invadir pela luz do mistério pascal e, como os discípulos de Emaús, aprendamos a discernir a verdadeira realidade, muito além das aparências, reconhecendo o caminho da exaltação na humilhação e a plena manifestação da vida na morte, na cruz. Assim, colocando novamente toda a nossa confiança e esperança em Deus Pai, no momento da angústia, poderemos rezar-lhe com fé também nós, e nosso grito de auxílio se transformará em cantos de louvor.

[No final da audiência, Bento XVI saudou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]

Queridos irmãos e irmãs:

Na catequese de hoje, tratamos do Salmo 22, uma oração sincera e tocante, com profundas implicações cristológicas, que se tornam visíveis durante a Paixão de Jesus, na sua dupla dimensão de humilhação e glória, de morte e vida. Este Salmo apresenta a figura de um inocente perseguido e cercado de adversários que querem a sua morte; por isso, eleva um lamento doloroso a Deus, que parece estar distante, mas o salmista, pela certeza de fé, sabe que virá em seu socorro. Como é sabido, o grito inicial do Salmo: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”,segundo os Evangelhos de Mateus e Marcos, foi assumido por Jesus durante a sua crucifixão, exprimindo assim toda a sua desolação diante do peso da humilhação e morte que supunha a sua missão salvífica. Mas, o grito de Jesus, à semelhança do salmista, não era um grito de desespero, mas de confiança na vitória divina, e por isso aberto ao louvor.

Dirijo a minha saudação amiga aos membros da União Missionária Franciscana, vindos de Portugal, aos brasileiros do Grupo Vocacional e a todos os demais peregrinos lusófonos aqui presentes. Neste dia da Exaltação da Santa Cruz, deixemo-nos invadir pela luz do mistério pascal, para reconhecermos o caminho da exaltação precisamente na humilhação, colocando toda a nossa esperança em Deus, e assim o nosso grito de ajuda transformar-se-á em cântico de louvor. E que a bênção de Deus desça sobre vós e vossas famílias!

[Tradução: Aline Banchieri.

©Libreria Editrice Vaticana]