segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ordenações lefebvrianas ainda são ilegítimas, esclarece Santa Sé

Confirma a mudança de estatuto da Comissão Pontifícia “Ecclesia Dei”

A Santa Sé esclareceu que os bispos e sacerdotes seguidores do arcebispo Marcel Lefebvre não exercerão ministérios legítimos até que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X conte com estatuto canônico reconhecido pela Igreja.
O esclarecimento, emitido através de um comunicado da Sala de Imprensa vaticana hoje, fez-se necessário para responder aos vários pedidos de informação sobre as ordenações sacerdotais programadas pela Fraternidade para o fim do mês.
O comunicado remete à carta que Bento XVI dirigiu aos bispos da Igreja no dia 10 de março para explicar as razões da remissão da excomunhão dos bispos ordenados ilegitimamente em 1988 por Dom Lefebvre.
Nessa carta, o Papa indica que até que a Fraternidade não tenha uma posição canônica na Igreja, seus ministros não exercem ministérios legítimos na Igreja.
A carta acrescenta “enquanto as questões relativas à doutrina não forem esclarecidas, a Fraternidade não possui qualquer estado canónico na Igreja, e os seus ministros – embora tenham sido libertos da punição eclesiástica – não exercem de modo legítimo qualquer ministério na Igreja”.
Por outro lado, o comunicado confirma a intenção do Papa de dar um novo status à Comissão Pontifícia “Ecclesia Dei”, “associando-a à Congregação para a Doutrina da Fé”.
Esta Comissão é a instituição vaticana competente desde 1988 para essas comunidades e pessoas que, vindas da Fraternidade São Pio X ou de grupos similares, querem regressar à plena comunhão com o Papa.
Com este gesto, o Papa tenta esclarecer que “os problemas que devem ser tratados agora são de natureza essencialmente doutrinal e se referem sobretudo à aceitação do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar dos papas”.

“Há razões para pensar que falta pouco para esse novo status –indica o comunicado. Este fato constitui a premissa para o início do diálogo com os responsáveis da Fraternidade São Pio X de face ao desejado esclarecimento das questões doutrinais e, portanto, também disciplinares, que ainda seguem abertas”.

Em uma matéria publicada nessa terça-feira em Zenit, o bispo Bernard Fellay, líder da Fraternidade, referia-se às ordenações de três sacerdotes e três diáconos no seminário lefebvriano Zaitzkofen, na Baviera (Alemanha), programadas pelo bispo da Fraternidade Alfonso de Galaretta para o dia 27 de junho.
O superior-geral da Fraternidade opinava que o Vaticano agora “não tem problemas fundamentais” com as próximas ordenações sacerdotais, ainda que reconhecia que novas excomunhões poderiam “pôr em perigo tudo” e fazer fracassar os diálogos da Fraternidade com a Congregação para a Doutrina da Fé.
Sobre as ordenações previstas pela Fraternidade, o bispo Gerard Muller, de Ratisbona, também explicou recentemente à Fraternidade que enquanto a questão da condição canônica não estiver resolvida, as ordenações não estão autorizadas e, portanto, mereceriam ações disciplinares.

Obs : Peçamos a Deus que se resolva essa situação. Uma Fraternidade não pode ser maior que a IGREJA que a acolhe. Para que sejamos um , devemos respeitar e ser obediente aquele que esta a frente da IGREJA , o PAPA BENTO XVI.
Que esse Ano Sacerdotal (www.annussacerdotalis.org) possa nos unir em oração e obediência a Sã Doutrina da Santa IGREJA Una , Apostolica e Catolica.
Sem mais , Leandro Costa.

Comunismo e fraturas ideológicas explicam lenda contra Pio XII

A “lenda negra” sobre o Papa Pio XII (Eugenio Pacelli), que o acusa de proximidade com o nazismo, tem duas causas, segundo o diretor de L’Osservatore Romano: a propaganda comunista e as divisões dentro da Igreja.
Giovanni Maria Vian as expôs em uma entrevista concedida a Zenit por ocasião da publicação de um livro que ele coordenou, intitulado “Em defesa de Pio XII. As razões da história” (In difesa di Pio XII. Le ragioni della storia).
O livro foi apresentado na quarta-feira passada pelo cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, e pelos historiadores Giorgio Israel (Universidade de Roma La Sapienza), Paolo Mieli (Universidade de Milão, diretor em dois períodos do jornal Il Corriere della Sera) e Roberto Pertici (Universidade de Bérgamo).
O diretor do jornal vaticano, historiador, não hesita em utilizar a expressão “lenda negra”, pois, de fato, o Papa Pacelli – que, ao morrer, em 1958, recebeu elogios unânimes pela obra desempenhada durante a 2ª Guerra Mundial – depois foi realmente “demonizado”.
Como foi possível uma mudança tão radical de sua imagem em poucos anos, mais ou menos a partir de 1963?

Propaganda comunista

Vian atribui esta campanha contra o Papa, em primeiro lugar, à propaganda comunista, que se intensificou na época da Guerra Fria.
“A linha assumida nos anos do conflito pelo Papa e pela Santa Sé, contrária os totalitarismos, mas tradicionalmente neutra, foi, na prática, favorável à aliança contra Hitler e se caracterizou por um esforço humanitário sem precedentes que salvou muitíssimas vidas humanas”, observa.
“Esta linha foi, de qualquer forma, anticomunista e por isso, já durante a guerra, o Papa começou a ser acusado pela propaganda soviética de cumplicidade com o nazismo e seus horrores.”
O historiador considera que, “ainda que Eugenio Pacelli sempre tenha sido anticomunista, nunca pensou que o nazismo pudesse ser útil para deter o comunismo, muito pelo contrário”, e o prova com dados históricos.
Em primeiro lugar, “apoiou, entre o outono de 1939 e a primavera de 1940, nos primeiros meses da guerra, a tentativa de golpe contra o regime de Hitler por parte de círculos militares alemães em contato com os britânicos”.
Em segundo lugar, Vian explica que, após o ataque da Alemanha à União Soviética, em meados de 1941, Pio XII em um primeiro momento se negou a que a Santa Sé se unisse à “cruzada” contra o comunismo – como era apresentada – e depois dedicou suas energias a superar a oposição de muitos católicos americanos à aliança dos Estados Unidos com a União Soviética contra o nazismo.
A propaganda soviética, recorda o especialista, foi recolhida eficazmente pela peça teatral Der Stellvertreter (“O vigário”), de Rolf Hochhuth, representada pela primeira vez em Berlim, no dia 20 de fevereiro de 1963, em que se apresentava o silêncio como indiferença diante do extermínio de judeus.
Já naquele então, constata Vian, denunciou-se que a obra teatral relança muitas das acusações de Mijail Markovich Scheinmann no livro Der Vatican im Zweiten Weltkrieg (“O Vaticano na 2ª Guerra Mundial”), publicado antes em russo pelo Instituto Histórico da Academia Soviética das Ciências, órgão de propaganda da ideologia comunista.
E uma nova prova da oposição de Pio XII ao nazismo é o fato de que os chefes do Terceiro Reich consideravam o Papa como um autêntico inimigo, segundo demonstram os documentos dos arquivos alemães, que não por acaso haviam sido fechados pela Alemanha comunista e que só puderam ser abertos e estudados recentemente, como mostra um artigo de Marco Ansaldo no jornal italiano La Repubblica, de 29 de março de 2007.
O livro editado por Vian recolhe um texto do jornalista e historiador Paolo Mieli, um escrito póstumo de Saul Israel, biólogo, médico e escritor judeu, artigos de Andrea Riccardi, historiador e fundador da Comunidade de S. Egídio, dos arcebispos Rino Fisichella, presidente da Academia Pontifícia para a Vida, e Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, do cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado e, por último, uma homilia e dois discursos de Bento XVI, pronunciados em memória de Pio XII.

Divisão eclesial

Mas a “lenda negra” contra Pio XII também teve promotores dentro da Igreja, por causa da divisão entre progressistas e conservadores, que se acentuou durante e depois do Concílio Vaticano II, anunciado em 1959 e clausurado em 1965, afirma o diretor.
“Seu sucessor, João XXIII – Angelo Giuseppe Roncalli –, foi logo apresentado como o ‘Papa Bom’ e, pouco a pouco, foi contraposto ao seu predecessor: pelo caráter e pelo estilo totalmente diferentes, mas também pela decisão inesperada e surpreendente de convocar um concílio.”
As críticas católicas ao Papa Pacelli haviam sido precedidas, em 1939, pelos interrogantes do filósofo católico francês Emmanuel Mounier, quem repreendeu o “silêncio” do Papa diante da agressão italiana da Albânia.
Pio XII foi criticado também por “ambientes de poloneses no exílio”, que jogavam na sua cara o silêncio frente à ocupação alemã.
Deste modo, quando, a partir dos anos 60, aguçou-se na Igreja a polarização, os católicos que se opunham aos conservadores atacavam Pio XII, dado que ele era visto como um símbolo destes últimos, alimentando ou utilizando argumentos recolhidos da “lenda negra”.

Justiça histórica

O diretor de L’Osservtore Romano sublinha que seu livro não nasce de uma tentativa de defesa prejudicial do Papa, “pois Pio XII não tem necessidade de apologistas que não ajudam a esclarecer a questão histórica”.
No que se refere aos silêncios de Pio XII, não somente diante da perseguição judaica (denunciada sem grandes alardes, mas criticada de maneira inequívoca na mensagem natalina de 1942 e no discurso aos cardeais, de 2 de junho de 1943), mas também diante de outros crimes nazistas,o historiador destaca que esta linha de comportamento buscava que não se agravasse a situação das vítimas, enquanto o pontífice se mobilizava para ajudá-las nesta situação.
“O próprio Pacelli se perguntou em várias ocasiões por esta atitude. Foi, portanto, uma opção consciente e dura para ele de buscar a salvação do maior número de vidas humanas ao invés de denunciar continuamente o mal com o risco real de que os horrores fossem maiores ainda”, explica Vian.
No livro, Paolo Mieli, de origem judaica, afirma neste sentido: “Aceitar as acusações contra Pacelli implica em levar ao banco dos supostos culpáveis, com as mesmas acusações, Roosevelt e Churchill, acusando-os de não ter pronunciado palavras mais claras contra as perseguições antissemitas”.
Recordando que membros da sua família morreram no Holocausto, Mieli disse literalmente: “Eu me oponho a responsabilizar da morte dos meus familiares uma pessoa que não tem responsabilidade”.
O livro publica também um texto inédito de Saul Israel, escrito em 1944, quando, com os demais judeus, ele havia encontrado refúgio no convento de Santo Antônio, na Via Merulana de Roma.
Seu filho, Giorgio Israel, que participou da apresentação do livro, acrescentou: “Não foi um ou outro convento ou um gesto de piedade para poucos; e ninguém pode pensar que toda esta solidariedade que as igrejas e conventos ofereceram ocorreu sem que o Papa soubesse, ou inclusive sem o seu consentimento. A lenda contra Pio XII é a mais absurda de todas as que circulam”.

Muito além da “lenda negra”

Vian explica, por último, que o livro que ele editou não pretende centrar-se na questão da “lenda negra”. Mais ainda, “meio século depois da morte de Pio XII (9 de outubro de 1958) e 70 aos após sua eleição (2 de março de 1939), parece criar-se um novo acordo historiográfico sobre a importância histórica da figura e do pontificado do Eugenio Pacelli”.
O objetivo do livro é sobretudo contribuir para restituir à história e à memória dos católicos um Papa e um pontificado de importância capital em muitos aspectos que, na opinião pública, continuam sendo ofuscados pela polêmica suscitada pela “lenda negra”.

Revelado plano de Hitler para matar Pio XII

Hitler queria sequestrar ou matar Pio XII, segundo confirmam novos testemunhos históricos revelados nesta terça-feira.
Dados sobre este objetivo já haviam sido oferecidos no passado. Em 1972, havia falado dele o general da SS, Karl Wolf, ao referir detalhes sobre um encontro que teve com o Papa Eugenio Pacelli no dia 10 de maio de 1944. No entanto, é a primeira vez que se recolhem detalhes concretos sobre o plano de eliminação do pontífice.
Nesta terça-feira, o jornal italiano Avvenire publicou um testemunho histórico que confirma o plano organizado contra o Papa pelo Reichssicherheitsamt (quartel general para a segurança do Reich) de Berlim, depois de 25 de julho de 1943.
O jornal cita uma fonte direta e testemunhal, Niki Freytag von Loringhoven, de 72 anos, residente em Munique, filho de Wessel Freytag von Loringhoven, quem então era coronel do Alto Comando Alemão das Forças Armadas (Oberkommando der Wehrmacht, OKW), e depois participaria de um falido golpe contra Hitler.
Segundo Freytag von Loringhoven, nos dias 29 e 30 de julho de 1943, houve em Veneza um encontro secreto para informar ao chefe de contraespionagem italiano, o general Cesare Amè, da intenção do Führer de punir os italianos pela prisão Mussolini, com o sequestro ou o assassinato de Pio XII e do rei da Itália.
No encontro participaram o chefe de Ausland-Abwehr (contraespionagem), o almirante Wilhelm Canaris, e dois coronéis da seção II para a sabotagem, Erwin von Lahousen e precisamente Wessel Freytag von Loringhoven.
Segundo Avvenire, este testemunho concorda com a deposição de Erwin von Lahousen no processo de Nurembergue de 1º de fevereiro de 1946 (Warnreise Testimony 1330-1430), no qual inclusive revela a reação de Freytag von Loringhoven ao conhecer o plano de Hitler: “É uma autêntica covardia!”.
O chefe de contraespionagem italiano, Amè, segundo este testemunho histórico, ao voltar a Roma após conhecer as intenções de Hitler em Veneza, divulgou a notícia dos planos contra o Papa para bloqueá-los. Estas notícias chegaram ao embaixador da Alemanha na Santa Sé, Ernst von Weisäcker, quem as recolhe em seu livro Erinnerungen (“Lembranças”), de 1950.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

CARTA DE BENTO XVI AOS SACERDOTES POR OCASIÃO DO ANO SACERDOTAL.

Amados irmãos no sacerdócio
Na próxima solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, sexta-feira 19 de Junho de 2009 – dia dedicado tradicionalmente à oração pela santificação do clero – tenho em mente proclamar oficialmente um "Ano Sacerdotal" por ocasião do 150º aniversário do "dies natalis" de João Maria Vianney, o Santo Patrono de todos os párocos do mundo. Tal ano, que pretende contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo, terminará na mesma solenidade, em 2010. "O sacerdócio é o amor do Coração de Jesus" costumava dizer o Santo Cura d'Ars. Essa tocante afirmação nos permite, antes de tudo, evocar com ternura e gratidão, o dom imenso que são os sacerdotes, não só para a Igreja, mas também para a própria humanidade. Penso em todos os presbíteros que propõem, humilde e quotidianamente, aos fiéis cristãos e ao mundo inteiro, as palavras e os gestos de Cristo, procurando aderir a Ele com os pensamentos, a vontade, os sentimentos e o estilo de toda a sua existência.
Como não sublinhar suas fadigas apostólicas, seu serviço incansável e escondido, sua caridade que, por tendência, era universal ? E o que dizer da fidelidade corajosa de tantos sacerdotes que − não obstante dificuldades e incompreensões − continuam fiéis à sua vocação: a de "amigos de Cristo", por Ele de modo particular chamados, escolhidos e enviados?
Eu mesmo guardo ainda, no coração, a recordação do primeiro pároco junto de quem exerci o meu ministério de jovem sacerdote: deixou-me o exemplo de uma dedicação sem reservas ao próprio serviço sacerdotal, a ponto de encontrar a morte durante o próprio ato de levar o viático a um doente grave. Depois, revejo na memória os inumeráveis irmãos que encontrei e encontro, inclusive durante as minhas viagens pastorais às diversas nações, generosamente empenhados no exercício diário do seu ministério sacerdotal.
Mas a expressão utilizada pelo Santo Cura d'Ars evoca também o Coração traspassado de Cristo com a coroa de espinhos que O envolve.
E isso leva o pensamento a se deter nas inumeráveis situações de sofrimento em que se encontram imersos muitos sacerdotes, ou porque participantes da experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, ou porque incompreendidos pelos próprios destinatários do seu ministério: como não recordar os tantos sacerdotes ofendidos na sua dignidade, impedidos na sua missão e, às vezes, mesmo perseguidos até ao supremo testemunho do sangue?Infelizmente, existem também situações, nunca suficientemente deploradas, em que é a própria Igreja a sofrer pela infidelidade de alguns dos seus ministros. Daí advém, então, para o mundo, motivo de escândalo e de repulsa. O máximo que a Igreja pode extrair de tais casos, não é o relevar acintosamente as fraquezas dos seus ministros, quanto tomar uma renovada e consoladora consciência da grandeza do dom de Deus, concretizado em figuras esplêndidas de generosos pastores, de religiosos inflamados de amor por Deus e pelas almas, de diretores espirituais esclarecidos e pacientes. A esse respeito, os ensinamentos e exemplos de São João Maria Vianney podem oferecer a todos, um significativo ponto de referência. O Cura d'Ars era humilíssimo, mas consciente de ser, enquanto padre, um dom imenso para seu povo: "Um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus é o maior tesouro que o bom Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina."
Falava do sacerdócio como se não conseguisse alcançar plenamente a grandeza do dom e da tarefa confiados a uma criatura humana:

"Oh como é grande o padre! (…) Se lhe fosse dado compreender-se a si mesmo, morreria. (…) Deus obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, Nosso Senhor desce do céu e encerra-se numa pequena hóstia."

E, ao explicar a seus fiéis a importância dos sacramentos, dizia: "Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário ? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida ? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação ? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo ? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer (pelo pecado), quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. (…) Depois de Deus, o sacerdote é tudo! (…) Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no céu".

Essas afirmações nascidas do coração sacerdotal daquele santo pároco podem parecer excessivas. Nelas, porém, revela-se a sublime consideração em que ele tinha o sacramento do sacerdócio. Parecia subjugado por uma sensação de responsabilidade sem fim:

"Se compreendêssemos bem o que um padre é, sobre a terra, morreríamos: não de susto, mas de amor. (…) Sem o padre, a morte e a paixão de Nosso Senhor não teria servido para nada. É o padre que continua a obra da Redenção sobre a terra (…) De que valeria termos uma casa cheia de ouro, se não houvesse ninguém para nos abrir a porta ? O padre possui a chave dos tesouros celestes: é ele que abre a porta; é o ecônomo do bom Deus; o administrador dos seus bens (…) Deixai uma paróquia durante vinte anos sem padre, e lá se adorarão as bestas. (…) O padre não é padre para si mesmo, o é para vós."

Tinha chegado a Ars, uma pequena aldeia com 230 habitantes, precavido pelo bispo de que iria encontrar uma situação religiosamente precária: "Naquela paróquia, não há muito amor de Deus; infundi-lo-eis vós." Por conseguinte, achava-se plenamente consciente de que devia ir para lá a fim de encarnar a presença de Cristo, testemunhando sua ternura salvífica:

"(Meu Deus), concedei-me a conversão da minha paróquia; aceito sofrer tudo aquilo que quiserdes por todo o tempo da minha vida!" , foi com essa oração que começou sua missão.

E, à conversão da sua paróquia, dedicou-se o Santo Cura com todas as suas energias, colocando no ápice de cada uma de suas ideias, a formação cristã do povo a ele confiado. Amados irmãos no sacerdócio, peçamos ao Senhor Jesus, a graça de podermos, também nós, assimilar o método pastoral de São João Maria Vianney. A primeira coisa que devemos aprender é sua total identificação com o próprio ministério. Em Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão: toda a sua ação salvífica era e é expressão do seu "Eu filial" que, desde toda a eternidade, está diante do Pai, em atitude de amorosa submissão à sua vontade.
Com modesta, mas verdadeira, analogia, também o sacerdote deve ansiar por essa identificação. Não se trata, certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério permanece, independentemente da santidade do ministro; mas também não se pode deixar de ter em conta a extraordinária frutificação gerada do encontro entre a santidade objetiva do ministério, e a subjetiva do ministro.
O Cura d'Ars principiou, imediatamente, esse humilde e paciente trabalho de harmonização entre a sua vida de ministro e a santidade do ministério que lhe fora confiado, decidindo "habitar", mesmo materialmente, na sua igreja paroquial:

"Logo que chegou, escolheu a igreja para sua habitação. (…) Entrava na igreja antes da aurora e não saía de lá senão à tardinha, depois do Angelus. Quando precisavam dele, deviam procurá-lo lá" − lê-se na primeira biografia. O exagero devoto do pio hagiógrafo não deve fazer-nos esquecer o fato de que o Santo Cura soube também "habitar" ativamente, em todo o território da sua paróquia: visitava, sistematicamente, os doentes e as famílias; organizava missões populares e festas dos santos patronos; recolhia e administrava dinheiro para suas obras sociocaritativas e missionárias; embelezava sua igreja e a dotava de adornos sagrados; ocupava-se das órfãs do "Providence" (um instituto fundado por ele) e de suas educadoras; preocupava-se com a instrução das crianças; fundava confrarias e chamava os leigos para colaborarem com ele.Seu exemplo me induz a evidenciar os espaços de colaboração que é imperioso estender, cada vez mais, aos fiéis leigos com os quais os presbíteros formam um único povo sacerdotal e, no meio dos quais, em virtude do sacerdócio ministerial, se encontram "para levá-los, todos, à unidade, "amando-se uns aos outros com caridade fraterna, e tendo os outros por mais dignos" (Rm 12, 10)". Nesse contexto, há que recordar o caloroso e encorajador convite feito pelo Concílio Vaticano II aos presbíteros, para que "reconheçam e promovam sinceramente a dignidade e participação própria dos leigos na missão da Igreja. Estejam dispostos a ouvir os leigos, tendo, fraternalmente, em conta, seus desejos, e reconhecendo a experiência e competência deles nos diversos campos da atividade humana, para que, juntamente com eles, saibam reconhecer os sinais dos tempos". O Santo Cura ensinava seus paroquianos, sobretudo, com o testemunho da vida. Pelo seu exemplo, os fiéis aprendiam a rezar, detendo-se de bom grado diante do sacrário, para uma visita a Jesus-Eucaristia.

"Para rezar bem – explicava-lhes o Cura – não há necessidade de falar muito. Sabe-se que Jesus está ali, no tabernáculo sagrado: abramos-Lhe o nosso coração, alegremo-nos pela sua presença sagrada. Esta é a melhor oração."
E exortava:
"Vinde à comunhão, meus irmãos, vinde a Jesus. Vinde viver d'Ele para poderdes viver com Ele. É verdade que não sois dignos, mas tendes necessidade!"

Essa educação dos fiéis à presença eucarística e à comunhão adquiria um eficácia muito particular, quando o viam celebrar o santo sacrifício da missa. Quem ao mesmo assistia, afirmava que "não era possível encontrar uma figura que exprimisse melhor a adoração. (...) Contemplava a hóstia amorosamente".
Dizia ele:
"Todas as boas obras reunidas não igualam o valor do sacrifício da missa, porque aquelas são obra de homens, enquanto a santa missa é obra de Deus." Estava convencido de que todo o fervor da vida de um padre dependia da missa:
"A causa do relaxamento do sacerdote é porque não presta atenção à missa ! Meu Deus, como é de lamentar um padre que celebra (a missa) como se fizesse um coisa ordinária !"
E, ao celebrar, tinha tomado o costume de sempre oferecer também, o sacrifício da sua própria vida: "Como faz bem um padre oferecer-se em sacrifício a Deus todas as manhãs !"
Essa sintonia pessoal com o sacrifício da Cruz levava-o – por um único movimento interior – do altar ao confessionário. Os sacerdotes jamais deveriam resignar-se a ver seus confessionários desertos, nem limitar-se a constatar o menosprezo dos fiéis por esse sacramento.
Na França, no tempo do Santo Cura d'Ars, a confissão não era mais fácil nem mais frequente do que nos nossos dias, pois a tormenta revolucionária tinha longamente sufocado a prática religiosa. Mas ele procurou de todos os modos, com a pregação e o conselho persuasivo, fazer com que seus paroquianos redescobrissem o significado e a beleza da Penitência sacramental, apresentando-a como uma exigência íntima da presença eucarística.
Pôde, assim, dar início a um círculo virtuoso. Com as longas permanências na igreja junto do sacrário, fez com que os fiéis começassem a imitá-lo, indo até lá visitar Jesus, e, ao mesmo tempo, estivessem seguros de que lá encontrariam seu pároco disponível para ouvi-los e perdoá-los. Em seguida, a multidão crescente dos penitentes provenientes de toda a França, haveria de retê-lo no confessionário até 16 horas por dia.
Dizia-se, então, que Ars se tornara "o grande hospital das almas".

"A graça que ele obtinha (para a conversão dos pecadores) era tão forte, que aquela ia procurá-los sem lhes deixar um momento de trégua!": diz o primeiro biógrafo.

E, assim o pensava o Santo Cura d'Ars, quando afirmava:
"Não é o pecador que regressa a Deus para Lhe pedir perdão, mas é o próprio Deus que corre atrás do pecador e o faz voltar para Ele. Este bom Salvador é tão cheio de amor, que nos procura por todo o lado." Todos nós, sacerdotes, deveríamos sentir que nos tocam pessoalmente essas palavras que ele colocava na boca de Cristo: "Encarregarei os meus ministros de anunciarem aos pecadores que estou sempre pronto a recebê-los, que a minha misericórdia é infinita."

Do Santo Cura d'Ars, nós, sacerdotes, podemos aprender não só uma inexaurível confiança no sacramento da Penitência, que nos instigue a colocá-lo no centro das nossas preocupações pastorais, mas também o método do "diálogo de salvação" que nele se deve realizar.
O Cura d'Ars tinha maneiras diversas de comportar-se, segundo os vários penitentes.
Quem vinha ao seu confessionário atraído por uma íntima e humilde necessidade do perdão de Deus, encontrava nele o encorajamento para mergulhar na "torrente da misericórdia divina" que, no seu ímpeto, tudo arrasta e depura. E se aparecia alguém angustiado com o pensamento de sua debilidade e inconstância, temeroso de futuras quedas, o Cura d'Ars revelava-lhe o segredo de Deus, com um discurso de comovente beleza:

"O bom Deus sabe tudo. Ainda antes de vos confessardes, já sabe que voltareis a pecar e, todavia, vos perdoa. Como é grande o amor do nosso Deus, que vai até o ponto de esquecer voluntariamente o futuro, só para poder perdoar-nos!"
Diversamente, a quem se acusava de forma indolente e quase indiferente, expunha, através de suas próprias lágrimas, a séria e dolorosa evidência de quão "abominável" fosse aquele comportamento.

"Choro, porque vós não chorais" − exclamava ele. "Se ao menos o Senhor não fosse assim tão bom! Mas é assim bom ! Só um bárbaro poderia comportar-se assim diante de um Pai tão bom !"

Fazia brotar o arrependimento no coração dos indolentes, forçando-os a verem com os próprios olhos, o sofrimento de Deus, causado pelos pecados, quase "encarnado" no rosto do padre que os atendia na confissão. Entretanto, a quem se apresentava já desejoso e capaz de uma vida espiritual mais profunda, abria-lhe de par em par as profundidades do amor, explicando a inexprimível beleza de poder viver unidos a Deus e na sua presença:

"Tudo sob o olhar de Deus, tudo com Deus, tudo para agradar a Deus. (...) Como é belo !" E ensinava-lhes a rezar assim: "Meu Deus, dai-me a graça de Vos amar tanto quanto é possível que eu Vos ame!"

No seu tempo, o Cura d'Ars soube transformar o coração e a vida de muitas pessoas, porque conseguiu fazer-las sentir o amor misericordioso do Senhor. Também hoje, é igualmente urgente o anúncio e o testemunho da verdade do Amor: Deus caritas est (1 Jo 4, 8).
Com a Palavra e os Sacramentos do seu Jesus, João Maria Vianney sabia instruir seu povo, ainda que frequentemente suspirasse, convencido da sua pessoal inaptidão, a ponto de ter desejado, diversas vezes, subtrair-se às responsabilidades do ministério paroquial, do qual se sentia indigno.
Mas, com exemplar obediência, ficou sempre no seu lugar, porque o consumia a paixão apostólica pela salvação das almas. Procurava aderir totalmente à própria vocação e missão, por meio de uma severa ascese:
"Para nós, párocos, a grande desdita – deplorava o Santo – é entorpecer-se a alma" , entendendo, com isso, o perigo de o pastor se habituar ao estado de pecado ou de indiferença em que vivem muitas das suas ovelhas. Com vigílias e jejuns, freava o corpo, para evitar que opusesse resistência à sua alma sacerdotal. E não se esquivava a mortificar-se a si mesmo, para bem das almas que lhe estavam confiadas e para contribuir para a expiação dos muitos pecados ouvidos em confissão.
Explicava a um colega sacerdote: "Dir-vos-ei qual é a minha receita: dou aos pecadores uma penitência pequena, e o resto faço-o eu, no lugar deles."

Independentemente das penitências concretas a que se sujeitava o Cura d'Ars, continua válido para todos, o núcleo do seu ensinamento: as almas custam o sangue de Cristo e o sacerdote não pode dedicar-se à sua salvação, se se recusa a contribuir com a sua parte, para pagar o "alto preço" da redenção.
No mundo atual, não menos do que nos tempos difíceis do Cura d'Ars, é preciso que os presbíteros, na sua vida e ação, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico.
Paulo VI observou, justamente, que "o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas". Para que não se forme um vazio existencial em nós e fique comprometida a eficácia do nosso ministério, é preciso não cessar de nos interrogarmos: "Somos verdadeiramente permeados pela palavra de Deus ? É verdade que ela é o alimento de que vivemos, mais de que o sejam o pão e as coisas deste mundo ? Conhecemo-la verdadeiramente ? Amamo-la ? Ocupamos interiormente desta palavra, de modo que a mesma dê, realmente. um timbre à nossa vida e uma forma ao nosso pensamento ?"
Assim como Jesus chamou os Doze para estarem com Ele (cf. Mc 3, 14) e só depois é que os enviou a pregarem, assim também nos nossos dias, os sacerdotes são chamados a assimilar aquele "novo estilo de vida" que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e assumido pelos apóstolos.
Foi precisamente a adesão sem reservas a esse "novo estilo de vida" que caracterizou o trabalho ministerial do Cura d'Ars.
O Papa João XXIII, na carta encíclica Sacerdotii nostri primordia – publicada em 1959, centenário da morte de São João Maria Vianney – apresentava sua fisionomia ascética, referindo-se de modo especial ao tema dos "três conselhos evangélicos" considerados necessários também para os presbíteros: "Embora, para alcançar esta santidade de vida, não seja imposta ao sacerdote como própria do estado clerical, a prática dos conselhos evangélicos, entretanto esta representa para ele, como para todos os discípulos do Senhor, o caminho regular da santificação cristã."
O Cura d'Ars soube viver os "conselhos evangélicos" segundo modalidades apropriadas à sua condição de presbítero. Com efeito, sua pobreza não foi a mesma de um religioso ou de um monge, mas a requerida a um padre: embora manejasse muito dinheiro (dado que os peregrinos mais abonados não deixavam de se interessar por suas obras sociocaritativas), sabia que tudo era dado para a sua igreja, os seus pobres, os seus órfãos, as meninas do seu "Providence", e as suas famílias mais indigentes.
Por isso, ele "era rico para dar aos outros e era muito pobre para si mesmo". Explicava: "Meu segredo é simples: dar tudo e não guardar nada." Quando se encontrava de mãos vazias, dizia contente aos pobres que lhe se dirigiam: "Hoje sou pobre como vós, sou um de vós." Desse modo, pôde, ao fim da vida, afirmar com absoluta serenidade: "Não tenho mais nada. Agora o bom Deus pode chamar-me quando quiser!" Também sua castidade era aquela que se requeria a um padre para o seu ministério. Pode-se dizer que era a castidade conveniente a quem deve, habitualmente, tocar a Eucaristia e que, habitualmente, a fixa com todo o entusiasmo do coração e com o mesmo entusiasmo a dá a seus fiéis.
Dele se dizia que "a castidade brilhava no seu olhar" e os fiéis apercebiam-se disso, quando ele se voltava para o sacrário, fixando-o com os olhos de um enamorado.
Também a obediência de São João Maria Vianney foi toda encarnada na dolorosa adesão às exigências diárias do seu ministério. É sabido como o atormentava o pensamento de sua própria inaptidão para o ministério paroquial, e o desejo que tinha de fugir "para chorar sua pobre vida, na solidão".
Somente a obediência e a paixão pelas almas conseguiam convencê-lo a continuar no seu lugar. A si próprio e a seus fiéis explicava: "Não há duas maneiras boas de servir a Deus. Há apenas uma: servi-Lo como Ele quer ser servido." A regra de ouro para levar uma vida obediente parecia-lhe ser esta: "Fazer só aquilo que pode ser oferecido ao bom Deus."

No contexto da espiritualidade alimentada pela prática dos conselhos evangélicos, aproveito para dirigir aos sacerdotes, neste Ano a eles dedicado, um convite particular, a fim de que saibam acolher a nova Primavera que, em nossos dias, o Espírito suscita na Igreja, através, particularmente, dos movimentos eclesiais e das novas comunidades.
"O Espírito é multiforme nos seus dons. (…) Ele sopra onde quer. E o faz de maneira inesperada, em lugares imprevistos, e segundo formas precedentemente inimagináveis (…); mas nos demonstra também, que Ele age em vista do único Corpo e na unidade do único Corpo."

A propósito disso, vale a indicação do decreto Presbyterorum ordinis: "Sabendo discernir se os espíritos vêm de Deus, (os presbíteros) perscrutem com o sentido da fé, reconheçam com alegria e promovam com diligência os multiformes carismas dos leigos, tanto os humildes como os sublimes."
Esses dons que impelem não poucos para uma vida espiritual mais elevada, podem ser de proveito não só para os fiéis leigos, mas também para os próprios ministros. Com efeito, da comunhão entre ministros ordenados e carismas pode brotar "um válido impulso para um renovado compromisso da Igreja, no anúncio e no testemunho do Evangelho da esperança e da caridade, em todos os recantos do mundo".
Queria ainda, acrescentar, apoiado na exortação apostólica Pastores dabo vobis, do Papa João Paulo II, que o ministério ordenado tem uma radical "forma comunitária" e pode ser cumprido apenas na comunhão dos presbíteros com o seu bispo.
É preciso que essa comunhão entre os sacerdotes e com seus respectivos bispos, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e afetiva.
Só desse modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e serão capazes de fazer florir comunidades cristãs onde se renovem os prodígios da primeira pregação do Evangelho.
O Ano Paulino, que está chegando ao fim, encaminha o nosso pensamento também para o Apóstolo dos Gentios, em quem refulge aos nossos olhos um modelo esplêndido de sacerdote, totalmente "entregue" a seu ministério.
"O amor de Cristo nos impele – escrevia ele – ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram" (2 Cor 5, 14).
E acrescenta: Ele "morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles" (2 Cor 5, 15).
Que programa melhor do que esse poderia ser proposto a um sacerdote empenhado em avançar pela estrada da perfeição cristã ?
Amados sacerdotes, a celebração dos 150 anos da morte de São João Maria Vianney (1859) segue-se, imediatamente, às celebrações − há pouco encerradas − dos 150 anos das aparições de Lourdes (1858).
Já em 1959, o bem-aventurado Papa João XXIII anotara:
"Pouco antes que o Cura d'Ars concluísse sua longa carreira cheia de méritos, a Virgem Imaculada aparecera, noutra região da França, a uma menina humilde e pura, para lhe transmitir uma mensagem de oração e penitência, cuja imensa ressonância espiritual, há um século, é bem conhecida. Na realidade, a vida do santo sacerdote, cuja comemoração celebramos, fora de antemão uma viva ilustração das grandes verdades sobrenaturais ensinadas à vidente de Massabielle. Ele próprio nutria pela Imaculada Conceição da Santíssima Virgem uma vivíssima devoção, ele que, em 1836, havia consagrado sua paróquia a Maria concebida sem pecado, e acolheria com tanta fé e alegria, a definição dogmática de 1854."
O Santo Cura d'Ars sempre recordava a seus fiéis que "Jesus Cristo, depois de nos ter dado tudo aquilo que nos podia dar, quis ainda fazer-nos herdeiros de quanto Ele tem de mais precioso, ou seja, da sua Santa Mãe".
À Virgem Santíssima entrego este Ano Sacerdotal, pedindo-Lhe para suscitar no ânimo de cada presbítero, um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à Igreja, que inspiraram o pensamento e a ação do Santo Cura d'Ars.
Com sua fervorosa vida de oração e seu amor apaixonado, por Jesus crucificado, João Maria Vianney alimentou sua cotidiana doação sem reservas a Deus e à Igreja.
Possa o seu exemplo suscitar, nos sacerdotes, aquele testemunho de unidade com o bispo, entre eles próprios e com os leigos, que é tão necessário hoje, como sempre o foi.
Não obstante o mal que existe no mundo, ressoa sempre atual a palavra de Cristo a seus apóstolos, no Cenáculo:
"No mundo, sofrereis tribulações. Mas tende confiança: Eu venci o mundo" (Jo 16, 33).
A fé no Divino Mestre dá-nos a força para olhar com confiança, para o futuro.
Amados sacerdotes , Cristo conta convosco.
A exemplo do Santo Cura d'Ars, deixai-vos conquistar por Ele e sereis , também vós, no mundo atual, mensageiros de esperança , de reconciliação , de paz.

Com a minha bênção.Vaticano, 16 de Junho de 2009.
Benedictus PP. XVI

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Bento XVI pede que padres sejam exemplo de verdadeira devoção à Eucaristia

Requer “veneração” e “respeito” pela liturgia; oração não deve ser “superficial e apressada”

Às vésperas do início do Ano Sacerdotal (19 de junho) , Bento XVI pediu que os sacerdotes sejam para os fiéis exemplo de uma “verdadeira devoção à Eucaristia”, cultivando pelo Corpo e Sangue do Senhor o amor “livre e puro que nos faz dignos ministros de Cristo”.
No início da noite de hoje (19h do horário de Roma), o Papa presidiu à Missa de Corpus Christi na Basílica de São João de Latrão. Após a celebração, o pontífice liderou a procissão até a Basílica de Santa Maria Maior e concedeu a bênção eucarística.
Em sua homilia, já com indicações do que espera para o Ano Sacerdotal, o Papa fez um apelo especial aos sacerdotes.

Só a partir da união com Jesus pode-se ter aquela fecundidade espiritual que é fonte de esperança em seu ministério pastoral”, disse.

Bento XVI citou palavras de São Leão Magno, para fazer compreender que a participação no Corpo e Sangue de Cristo deve ter como objetivo fundamental “nos transformar naquilo que recebemos".

Ser Eucaristia! Seja este o nosso desejo e esforço constante, para que a oferta do Corpo e Sangue do Senhor que fazemos sobre o altar esteja acompanhada do sacrifício das nossas vidas”, assinalou.

O Papa pediu que , todos os dias , os padres cultivem pelo Corpo e Sangue do Senhor “aquele amor livre e puro que nos faz dignos ministros de Cristo e testemunhas da sua alegria”.
Segundo o pontífice, o que os fiéis esperam de um padre é “o exemplo de que é uma verdadeira devoção à Eucaristia; o amor que se vê ao passar longos momentos de silêncio e de adoração diante de Jesus”.

Bento XVI apontou o risco de se ter a fé como um dado já adquirido, principalmente em tempos em que se observa o risco de uma secularização intrínseca na Igreja.
Esta secularização interna pode-se “traduzir em um culto eucarístico formal e vazio, em celebrações destituídas daquela participação do coração que se exprime na veneração e no respeito pela liturgia”.

É sempre forte a tentação de reduzir a oração a momentos superficiais e apressados, deixando-se submergir pelas atividades e preocupações terrenas”, disse o Papa.

‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’ –expressão do Pai Nosso–, segundo Bento XVI, remete-se também “ao pão da vida eterna que é dado na Santa Missa, a fim de que desde agora o mundo futuro comece em nós”.

Com a Eucaristia, portanto, o céu vem sobre a terra, o advir de Deus ergue-se no presente, e o tempo é abraçado pela eternidade divina”, disse.

O Papa não escondeu sua alegria ao poder acompanhar Cristo Sacramentado pela Via Merulana, que leva da Basílica de São João de Latrão à Basílica de Santa Maria Maior.
O Papa acompanhava a Eucaristia ajoelhado em um genuflexório, em cima de uma caminhonete branca coberta com um toldo, quando caía a noite sobre a Cidade Eterna.
Os fiéis, com velas nas mãos, faziam do seu silêncio uma profissão de fé.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Galileu não esteve preso nem morreu na fogueira.

A Organização das Nações Unidas declarou 2009 como o Ano da Astronomia, devido à comemoração do 4º centenário do nascimento do telescópio por obra de Galileu. Por que alguns organismos da Santa Sé se unem a esta celebração, se condenaram o famoso astrônomo?
Por este motivo, Galileu Galilei é visto hoje como um “santo leigo”, como um “mártir da ciência” e a Igreja, como a “grande inquisidora” deste gênio da astronomia.
O caso de Galileu é mencionado também no livro “Anjos e Demônios”, de Dan Brown, cujo filme foi lançado mundialmente no dia 13 de maio passado.
Zenit falou com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura e co-autor do livro “Galileu e o Vaticano”, sobre aqueles mitos, assim como as verdades históricas do juízo que a Igreja realizou a este controvertido personagem.

– Falemos um pouco das lendas negras de Galileu.

– Dom Sánchez de Toca: Em 9 de maio passado, eu estava dando uma conferência sobre Galileu em Toledo, Espanha, a um auditório formado principalmente por seminaristas e pesquisadores católicos, e comecei dizendo-lhes que muitos se surpreendem ao saber que Galileu não foi queimado na fogueira e nem foi torturado, nem esteve na prisão. Ao terminar a conferência, um dos assistentes me disse: “eu sou um desses, eu sempre pensei que Galileu havia morrido na fogueira”.
O curioso do caso é que na realidade ninguém o disse e nem provavelmente o tenha lido. Simplesmente é o que ele imaginava. Isso demonstra a força tão grande que tem o mito que se construiu em torno de Galileu. Como dizia João Paulo II, a verdade histórica dos fatos está muito longe da imagem que se criou posteriormente em torno de Galileu. Todo o mundo está convencido de que Galileu foi maltratado, condenado, torturado, declarado herege, mas não é assim.
Para dar um exemplo muito recente, o livro de Dan Brown, “Anjos e Demônios”, tem um pequeno diálogo a propósito de Galileu, a quem apresenta como um membro da seita dos Illuminati e contém um monte de erros históricos junto a outras coisas que são corretas.

– Podemos falar desses erros históricos de “Anjos e Demônios” com respeito relação ao tema de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Na realidade, o livro se refere a estereótipos que estão muito difundidos. O problema de fundo deste livro é a mistura de ideias filosóficas e científicas. A trama vem a dizer que o professor e sacerdote Leonardo Vetra é assassinado por uma seita porque descobriu o modo de tornar compatíveis a fé e a ciência; mais ainda, diz que a física é o verdadeiro caminho para Deus. Estas são ideias que se difundem muito, porque conseguiu, no laboratório, criar matéria do nada. Isso é um absurdo, filosoficamente falando. Fisicamente é impossível o que propõe, porque do nada não sai nada. Pode-se criar matéria a partir do vazio, mas o vazio não é o nada, o vazio é, enquanto o nada não é. É um princípio filosófico elementar.
Esta tese diz que a física representa um caminho melhor e mais seguro para chegar a Deus. Logo, com relação a Galileu, concretamente, apresenta o estereótipo habitual, segundo o qual ele foi condenado por ter demonstrado o movimento da terra.
Galileu dizia, e nisso estavam de acordo seus juízes, que não pode haver contradição entre o livro da Bíblia e o livro da natureza, porque um e outro procedem do mesmo autor. O livro da Bíblia, inspirado por Deus, e a natureza, observante executora de suas ordens. Se têm o mesmo autor, não pode haver contradição. Quando surge uma aparente contradição, significa que estamos lendo mal um dos dois livros e ele diz: é mais provável que sejamos nós que nos equivoquemos ao ler o livro da Bíblia – porque o sentido das palavras da Bíblia às vezes é recôndito e é preciso trabalhar para extraí-lo – que equivocar-se ao ler o livro da natureza, porque a natureza não se equivoca.
Uma verdade natural, cientificamente demonstrada, tem uma força maior que a interpretação que eu dou do livro da Bíblia. Portanto, diz ele, em presença de uma verdade científica demonstrada, terei de corrigir o modo de interpretar a Bíblia. A Bíblia não se equivoca, mas quem a interpreta se equivoca. Um critério claro compartilhado por seus juízes e por todo o mundo.
O Concílio de Trento, por outro lado, dizia que, na leitura da Bíblia, era preciso seguir a interpretação literal da Bíblia e o consenso unânime dos Padres da Igreja, a menos que houvesse uma verdade demonstrada que nos permitisse fazer uma leitura espiritual ou alegórica. O critério era muito claro: o que ocorre é que Galileu pensou que estava a ponto de conseguir a demonstração do movimento da terra. Uma coisa é estar convencido de que a terra se move e outra coisa é demonstrar que a terra se move. Galileu nunca demonstrou que a terra se movia. Estava convencido disso e hoje sabemos que tinha razão, mas seus juízes lhe diziam que não viam por que tinham de mudar o modo de interpretar a Bíblia, sobretudo quando o bom senso diz o contrário, sem uma prova definitiva. Os juízes de Galileu adotaram uma posição de prudência. Galileu foi além. Qual foi o erro dos juízes de Galileu? Deveriam ter se abstido de condená-lo.

– Como foi, na verdade, o julgamento de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Fundamentalmente, Galileu foi processado em 1633 por ter violado uma disposição que lhe foi feita em 1616. A disposição de 1616, que Galileu não cumpriu, proibia-o de ensinar o copernicanismo, ou seja, a doutrina que diz que o sol está no centro e a terra se move ao redor dele.
Galileu pensou que a proibição não era tão rígida, sobretudo depois da eleição do Papa Urbano VIII, e publicou um livro no qual, sob a aparência de um diálogo no qual se expõem os argumentos a favor e contra, tanto do sistema ptolomaico como do copernicano, na realidade se escondia uma apologia declarada do sistema copernicano. Não só isto, era já fraudulentamente o imprimatur, enganou a quem o concedeu dizendo que era uma exposição imparcial, mas não era nada imparcial. Por este motivo foi acusado e, portanto, submetido a processos, ou seja, submetido a um processo disciplinar.
Galileu nunca foi condenado como herege, nem tampouco o copernicanismo foi declarado como herético. Simplesmente foi declarado contrário à Escritura porque sobre a base das provas que existiam então não era possível demonstrar o movimento da terra e, portanto, dizer que a terra se movia parecia ir contra a Escritura. Foi muito significativo que em 1616 um grupo de especialistas declarasse que a doutrina segundo a qual a terra se move ao redor do sol era absurda e isso se entende perfeitamente no contexto da época, porque não se podia demonstrar e o bom senso dizia que o sol se põe e sai.
Sem uma física como a de Newton, sem uma prova ótica como o movimento da terra, a coisa parecia absurda.
Nós crescemos desde pequenos vendo modelos e imagens do sistema solar, mas o fato é que ninguém viu a terra mover-se ao redor do sol, nem sequer um astronauta. Temos provas óticas do movimento da terra, mas ninguém viu a terra mover-se. Por isso nos parece que a atitude dos que condenaram Galileu é exagerada, mas na realidade responde a uma lógica.

– E responde não somente ao que a Igreja pensava, mas a sociedade em geral.

– Dom Sánchez de Toca: Naturalmente. O copernicanismo encontrou uma grande oposição, principalmente nas universidades. Teve uma aceitação muito gradual e a oposição não foi só na Igreja Católica. Também as igrejas protestantes se opuseram a Copérnico. E ainda, em 1670, a universidade de Upsala, na Suécia, condenou um estudante porque havia defendido as teses copernicanas.

– Quais foram os erros que a Igreja cometeu em seu julgamento a Galileu? O que se concluiu no trabalho feito pela comissão que João Paulo II criou em 1981 para estudar o caso de Galileu?

– Dom Sánchez de Toca: Quem expressou muito bem isso foi o cardeal Paul Poupard no discurso ao finalizar o trabalho desta comissão, quando, com estas palavras – que no discurso parecem sublinhadas – destacou seu julgamento sobre o que aconteceu: “Naquela conjuntura histórico-cultural, a de Galileu, muito afastada da nossa, os juízes de Galileu, incapazes de dissociar a fé de uma cosmologia milenar, acreditaram que adotar a revolução copernicana, que por demais não estava ainda aprovada definitivamente, podia quebrar a tradição católica e que era seu dever proibir o ensinamento”.
“Este erro subjetivo de juízo, tão claro hoje para nós, conduziu-os a uma medida disciplinar por causa da qual Galileu deve ter sofrido muito. É preciso reconhecer estes erros tal como o Santo Padre pediu.”
Os juízes de Galileu se equivocaram não somente porque hoje sabemos que a terra se move, mas naquele tempo não era possível saber. Por outro lado, a história da humanidade esteve cheia de loucos que afirmavam coisas surpreendentes e depois se revelaram falsas, hoje ninguém se lembra de seus nomes. Se Galileu tivesse proposto uma teoria diferente, hoje ninguém se lembraria dele. Este foi o primeiro erro objetivo.
O cardeal Poupard também fala de um erro subjetivo. Qual foi ? Creram que deveriam proibir um ensino científico por temor às suas consequências. Pensaram que permitir o ensinamento de uma doutrina científica que não estava aprovada podia colcoar em perigo o edifício da fé católica e sobretudo a fé das pessoas simples. E creram que era seu dever proibir este ensinamento.
Hoje sabemos que proibir o ensinamento de uma doutrina científica é um erro. Não cabe à Igreja dizer se está provada cientificamente ou não. Corresponde à ciência. O que Galileu pedia é que a Igreja não condenasse o copernicanismo, não tanto por medo à sua própria carreira profissional, mas porque depois, caso se demonstrasse que a terra se movia ao redor do sol, a Igreja se veria em uma situação muito difícil e faria o ridículo diante dos protestantes e Galileu queria evitar isto, porque era um homem católico sincero. E dizia também: “Se hoje se condena como herética uma doutrina científica como a que a terra se move ao redor do sol., o que acontecerá no dia em que a terra demonstrar que se move ao redor do sol? Será preciso declarar heréticos então os que sustentam que a terra está no centro?”. Isso é o que estava em jogo, é muito mais complexo do que se costuma dizer.

– Em que consistiu o castigo de Galileu ?

– Dom Sánchez de Toca: Disseram que Galileu havia sido veementemente suspeito de heresia, mas não o declararam herege. Pediram-lhe que abjurasse para dissipar toda dúvida. Galileu abjurou. Disse que ele não havia defendido nem defendeu o copernicanismo. Condenou-se ao índice de livros proibidos sua obra “O diálogo”, foi-lhe imposta uma penitência saudável, que consistia em recitar uma vez na semana os sete salmos penitenciais. Sua filha se ofereceu para fazê-lo no lugar dele, e isso foi o mais humilhante, deveriam enviar uma cópia da sentença e da abjuração a todas as nunciaturas da Europa. Foi condenado à prisão de regime domiciliar. Ou seja, digamos que a condenação objetivamente não foi muito grande. Não esteve na prisão nem um só momento, em atenção à sua fama, à sua idade e à consideração que tinha; foi tratado sempre com grande admiração.

– Quem começou a difundir a lenda negra de que Galileu foi queimado na fogueira?

– Dom Sánchez de Toca: Isso é o bom, ninguém o disse, mas todo mundo acredita. Provavelmente porque se sobrepõem as imagens de Galileu e de Giordano Bruno. Em todo caso, o mito de Galileu nasce com o Iluminismo, que converteu Galileu em uma espécie de promotor do livre pensamento contra o obscurantismo da Igreja, um mártir da ciência e do progresso.
Galileu, na realidade, e isto é o que surpreende muitos, não só não foi queimado nem torturado, mas também foi católico e foi crente a vida toda. Não há nele o mínimo rastro de livre pensador. Não foi um católico exemplar, é verdade, e há momentos de sua vida pouco edificantes, mas em nenhum momento renega sua pertença à Igreja.
Ele o diz, exagerando como faz sempre, em uma carta a um nobre francês: “Outros podem ter falado mais piamente e mais doutamente, mas nenhum mais cheio de zelo pela honra e a reputação da Santa Mãe Igreja do que escrevi eu”. É exagerado, mas, em todo caso, demonstra que é verdade.

– Ele teve duas filhas monjas?

– Dom Sánchez de Toca: Teve três filhos, duas mulheres. Quando mudou-se de Pádua à corte de Toscana, colocou-as em um convento para o qual teve que pedir dispensa, porque eram muito jovens. De uma delas, Irmã Maria Celeste, conserva-se a correspondência entre pai e filha, que é verdadeiramente admirável. Ela era uma mulher extraordinária, muito inteligente, de uma grande perspicácia, grande escritora e há um livro que se baseia no epistolário entre a Irmã Maria e o pai.

– Fale-nos sobre seu livro “Galileu e o Vaticano”, cuja edição italiana foi publicada recentemente.

– Dom Sánchez de Toca: Esta investigação não trata exatamente sobre o caso Galileu, mas sobre o modo em que a comissão que João Paulo II criou releu o caso Galileu, porque se o caso Galileu é uma telenovela, como dizia Dom Mariano Artigas, em um sentido literário – segundo o dicionário, uma telenovela é, além de uma novela longa e melodramática, uma “história” real com caracteres de telenovela, ou seja, insólita, lacrimogênia e sumamente longa –, o termo se contagia também à comissão que João Paulo II instituiu entre 1981 e 1992, à qual fizeram críticas muito fortes. Dizem que não esteve à altura do desejo de João Paulo II, que os discursos de encerramento do cardeal Poupard e do Papa foram deficientes e muito fracos, que a Igreja não fez realmente o que devia ter feito. Com o professor Artigas, o outro autor do livro, que morreu em 2006, o que fizemos foi estudar toda a documentação que há nos arquivos. Ver exatamente o que fez e como fez esta comissão.
Nossa opinião é que faltavam elementos desde o princípio. Faltaram meios, boa vontade, mas, apesar de tudo, fez um bom trabalho, permitiu a abertura dos arquivos do Santo Ofício e demonstrar que na realidade não há documentos escondidos. Foram publicadas obras de referência importantes e creio que isto permitiu à Igreja fazer uma espécie de exame de consciência. Reler o caso de Galileu com outra luz. Não descobrir coisas novas, porque isso é difícil, e fazer que a Igreja em seu conjunto olhe serenamente para o caso Galileu sem rancor, sem medo.

– Por que crê que o tema de Galileu irrita tanto a opinião pública, até o ponto de que os professores da Universidade da Sapienza tenham negado ao Papa Bento XVI a entrada no ano passado, por tê-lo citado em um discurso que pronunciou em 1990?

– Dom Sánchez de Toca: Porque há quem esteja interessado em continuar fazendo de Galileu uma espécie de “santo leigo”, leigo em sentido anticristão. Mas, na realidade, foi um homem de Igreja, ainda com todas as suas deficiências. Recordo que um arcebispo de Pisa, que foi astrônomo, quis colocar, há anos, na praça dos milagres, a mais famosa, onde está a torre, uma estátua dedicada a Galileu. A prefeitura não o permitiu porque queria continuar mantendo a exclusiva sobre a imagem de Galileu, como se fosse alguém que não pertence à Igreja, mas ao mundo chamado leigo.
Por isso, cada vez que por parte da Igreja alguém cita Galileu, há uma reação de “alergia instintiva” nestes ambientes de pseudociência, que dizem: “Como vocês se atrevem a falar de Galileu, vocês que queimaram Galileu?”.

– Por que o Conselho Pontifício para a Cultura tem uma imagem de Galileu em sua biblioteca?

– Dom Sánchez de Toca: Precisamente porque Galileu é um modelo de cientista crente. Ele investiga o céu, descobre coisas novas e procura integrar seus novos conhecimentos dentro de uma visão cristã. Esforça-se por demonstrar que não há contradição com a Escritura, com a Bíblia. O que acontece é que o fez com todo o entusiasmo transbordante que irritava muito os outros. Sem ser teólogo, ele se metia em um campo que era reservado exclusivamente aos teólogos. Na contra-reforma, que um leigo, sem ter estudos de teologia, se atrevesse a interpretar a Bíblia por sua conta, ainda que fosse em sintonia com a tradição católica, despertava imediatamente suspeitas.

– Você se referiu às condutas pouco exemplares de Galileu ?

– Dom Sánchez de Toca: Não é nenhum mistério que Galileu não tenha sido nenhum santo. Há alguns que, reivindicando o caráter de cientista crente, chegam a pedir inclusive sua beatificação. É demais... Galileu esteve convivendo sem estar casado com Marina Gamba, em Pádua, de quem teve três filhos. Isso não era especialmente escandaloso, mas tampouco era bem visto.
Por outra parte, tinha um temperamento forte, como os grandes gênios em geral. Tinha uma língua terrível. Foi imprudente, enfrentou a Companhia de Jesus, apesar de que os jesuítas o acolheram em Roma e avalizaram seus descobrimentos, quando era um perfeito desconhecido. Foi um pouco presunçoso, vaidoso, com grande ego. São defeitos que qualquer um pode ter e que não eliminam nada da genialidade de Galileu.