terça-feira, 30 de março de 2010

Imprensa e carta do Papa sobre abusos sexuais.

“Sem precedentes”, concordam os jornais de diferentes tendências.

Favoráveis, contrários ou internamente divididos, os meios de comunicação do mundo inteiro acolheram a Carta pastoral de Bento XVI aos católicos da Irlanda como um documento “sem precedentes”, não somente por ser o primeiro texto de um papa sobre o tema dos abusos sexuais por parte do clero, mas também pela dor com que foi escrito.

O interesse superou amplamente as costas da ilha irlandesa, como demonstrou o fato de que, poucos minutos depois da publicação no Vaticano, ao meio-dia do sábado, 20 de março, já era possível ler a carta em sites de jornais como Süddeutsche Zeitung, The New York Times, Le Monde, The Telegraph, El Mundo, Le Figaro, El Universal, Los Angeles Times, The Washington Post e El País. As primeiras manchetes se concentraram na petição de perdão que o Papa dirige, em nome da Igreja, às vítimas de abusos cometidos por clérigos:

“Sofrestes tremendamente e por isso sinto profundo desgosto. Sei que nada pode cancelar o mal que suportastes. Foi traída a vossa confiança e violada a vossa dignidade”.

Respostas das vítimas

Após a apresentação do documento, os primeiros comentários publicados pela imprensa se centraram em declarações de associações de vítimas de abusos sexuais por parte de sacerdotes, entre as quais também houve diferenças de opinião.

Entre as organizações criticadas, destacam-se, por exemplo, o comentário negativo de Maeve Lewis, diretora executiva de One in Four, e o comunicado divulgado no mesmo sábado às redações dos jornais pela Survivors Network of those Abused by Priests (SNAP).
Em particular, esta nota critica dura e ironicamente o fato de que Bento XVI não tenha tomado, neste documento, medidas concretas para enfrentar os escândalos, particularmente por não exigir nele a renúncia de mais pessoas que, de alguma maneira, possam ter estado envolvidas nos escândalos. Críticas semelhantes foram feitas por outras associações de vítimas, em geral com tons duros.

A esta crítica já havia respondido o Pe. Federico Lombardi, SJ, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, na apresentação do documento aos jornalistas, ao explicar que se trata de uma carta pastoral e, portanto, não indica medidas administrativas e jurídicas, como, por exemplo, a renúncia de outros bispos irlandeses. Tais decisões, de qualquer maneira, competem ao Pontífice e aos interessados.

Em algumas ocasiões, estas mesmas associações reconheceram que não compreendem o alcance dos anúncios que o Papa faz na carta, por abordarem questões técnicas do Direito Canônico: a convocação de uma visita apostólica, isto é, uma espécie de auditoria nas dioceses da Irlanda, assim como nos seminários e congregações religiosas, com a ajuda de expoentes da Cúria Romana.

O próprio Papa compreende, no documento, a dificuldade que supõe para as vítimas destes abusos aceitar suas palavras: “É compreensível que vos seja difícil perdoar ou reconciliar-vos com a Igreja. Em seu nome, expresso abertamente a vergonha e o remorso que todos sentimos”.
Por sua parte, a Irish Survivors of Child Abuse Organization (Irish-SOCA) considerou que a carta contém “um reconhecimento evidente de que a Igreja na Irlanda pecou da maneira mais grave contra jovens durante muitas décadas”.


O porta-voz vaticano, em sua apresentação aos jornalistas, também respondeu à crítica lançada por jornais alemães, que esperavam alusões por parte do Papa à situação do seu país. Cada país, segundo o Pe. Lombardi, tem sua especificidade. O Santo Padre decidirá quando e como intervir no caso da sua pátria, garantiu.

Culpados diante de Deus e diante dos tribunais

Outro trecho muito citado pelos jornais e pelas vítimas, particularmente por Irish-SOCA, foi o dirigido “aos sacerdotes e religiosos que abusaram dos jovens”, para garantir-lhes que “traístes a confiança que os jovens inocentes e os seus pais tinham em vós. Por isto deveis responder diante de Deus onipotente, assim como diante de tribunais devidamente constituídos”.

Ao sublinhar estes trechos, a imprensa insistiu em que, para a Igreja, não é possível aceitar nunca mais o encobrimento: “A justiça de Deus exige que prestemos contas das nossas ações sem nada esconder. Reconhecei abertamente a vossa culpa, submetei-vos às exigências da justiça”, assegura o Papa aos clérigos manchados por estas culpas.

Por este motivo, uma das manchetes mais comuns para ilustrar a carta foi “Os sacerdotes pedófilos devem responder diante de Deus e dos tribunais”.

Uma carta sem precedentes.

No entanto, há um aspecto em que o Papa obteve o consenso entre as associações de vítimas e a imprensa em geral: as “desculpas sem precedentes” que aparecem na carta, com tons sinceros e humildes.

“Não posso deixar de partilhar o pavor e a sensação de traição que muitos de vós experimentastes ao tomar conhecimento destes atos pecaminosos e criminais e do modo como as autoridades da Igreja na Irlanda os enfrentaram”, reconhece o Pontífice em sua missiva.

“Papa sente vergonha pelos casos de pederastia” foi a manchete de alguns jornais.

O que a imprensa não abordou: a penitência.

Foi interessante constatar que os meios de informação deixaram de lado a primeira medida adotada pelo Papa, totalmente excepcional para um documento com estas características: a penitência comunitária que a Igreja propõe para esse país.

O Pontífice convida os católicos irlandeses a oferecerem “as vossas penitências da sexta-feira, durante todo o ano, de agora até à Páscoa de 2011, (...) para obter a graça da cura e da renovação para a Igreja na Irlanda”.

Tampouco ocupou espaço nos jornais o trecho no qual o Bispo de Roma incentiva a “redescobrir o sacramento da Reconciliação”, assim como a “adoração eucarística”, e aquele em que convoca “uma Missão a nível nacional para todos os bispos, sacerdotes e religiosos”.

O descuido destes trechos levou a imprensa a ignorar a frase central da carta do Papa, frente ao futuro: “Tenho esperança em que este programa levará a um renascimento da Igreja na Irlanda na plenitude da própria verdade de Deus, porque é a verdade que nos torna livres”.

Lobby laicista contra Papa: grande boato do “New York Times”.

Se existe um jornal que me vem à mente quando se fala de lobbies laicistas e anticatólicos, este é o New York Times. No dia 25 de março de 2010, o jornal de Nova York confirmou esta vocação sua com um incrível boato relativo a Bento XVI e ao cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone.

Segundo o jornal, em 1996, os cardeais Ratzinger e Bertone teriam ocultado o caso – indicado à Congregação para a Doutrina da Fé pela arquidiocese de Milwaukee – relativo a um padre pedófilo, Lawrence Murphy. Incrivelmente – após anos de esclarecimentos e depois que o documento foi publicado e comentado amplamente em meio mundo, desvelando as falsificações e erros de tradução dos lobbies laicistas –, o New York Times ainda acusa a instrução Crimen sollicitationis, de 1962 (na verdade, 2ª edição de um texto de 1922) de ter agido para impedir que o caso Murphy fosse levado à atenção das autoridades civis.

Os fatos são um pouco diferentes.

Por volta de 1975, Murphy foi acusado de abusos particularmente graves e desagradáveis em um colégio para menores surdos. O caso foi imediatamente denunciado às autoridades civis, que não encontraram provas suficientes para proceder contra Murphy. A Igreja, nesta questão mais severa que o Estado, continuou com persistência indagando sobre Murphy e, dado que suspeitava que ele fosse culpado, limitou de diversas formas seu exercício do ministério, apesar de que a denúncia contra ele tinha sido arquivada pela magistratura correspondente.
Vinte anos depois dos fatos, em 1995 – em um clima de fortes polêmicas sobre os casos dos “padres pedófilos” –, a arquidiocese de Milwaukee considerou oportuno indicar o caso à Congregação para a Doutrina da Fé. A indicação era relativa a violações da disciplina da confissão, matéria de competência da Congregação, e não tinha nada a ver com a investigação civil, que havia sido levada a cabo e que havia sido concluída 20 anos antes. Também é preciso observar que, nos 20 anos precedentes a 1995, não houve nenhum fato novo nem novas acusações feitas a Murphy. Os fatos sobre os quais se discutia eram ainda aqueles de 1975.


A arquidiocese indicou também a Roma que Murphy estava moribundo. A Congregação para a Doutrina da Fé certamente não publicou documentos e declarações 20 anos depois dos fatos, mas recomendou que se continuasse limitando as atividades pastorais de Murphy e que lhe fosse pedido que admitisse publicamente sua responsabilidade. Quatro meses depois da intervenção romana, Murphy faleceu.

Este novo exemplo de jornalismo lixo confirma como funcionam os “pânicos morais”.

Para desonrar a pessoa do Santo Padre, desenterra-se um episódio de 35 anos atrás, conhecido e discutido pela imprensa local já na década de 70, cuja gestão – enquanto era da sua competência e 25 anos depois dos fatos – por parte da Congregação para a Doutrina da Fé foi canônica e impecável, e muito mais severa que a das autoridades estatais americanas.

De quantas destas ‘descobertas’ ainda temos necessidade para perceber que o ataque contra o Papa não tem nada a ver com a defesa das vítimas dos casos de pedofilia – certamente graves, inaceitáveis e criminais, como Bento XVI recordou com tanta severidade –, mas que tenta desacreditar um pontífice e uma Igreja que incomodam os lobbies pela sua eficaz ação de defesa da vida e da família?

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