domingo, 15 de março de 2009

Bento XVI: solução do problema dos lefebvristas é doutrinal

Explica o que acontecerá com a Fraternidade São Pio X a partir de agora

O que vai acontecer agora com os membros da Fraternidade São Pio X que tiveram a remissão da excomunhão?
Este é um dos pontos fundamentais que o Papa esclarece em sua carta a todos os bispos do mundo, divulgada hoje pela Santa Sé.
A resolução deste problema exigirá tempo e a participação dos bispos do mundo inteiro, através da Congregação para a Doutrina da Fé.

Esta é uma das novidades da carta, na qual o Papa explica como vai enfrentar a possível integração dos lefrebvristas na plena comunhão da Igreja, e que comportará, em último termo, uma reflexão conjunta sobre o Concílio Vaticano II.

O «nó» doutrinal

Uma das questões sobre as quais o Papa insiste especialmente na carta é que a remissão da excomunhão não supôs a integração da Fraternidade fundada por Dom Marcel Lefebvre na Igreja, mas o contrário.

A remissão da excomunhão «afeta pessoas, não instituições», insiste Bento XVI, admitindo que este ponto não ficou suficientemente esclarecido na medida adotada em 21 de janeiro de 2009.

O Papa insiste em várias ocasiões na medida disciplinar, à qual a excomunhão afeta, e o âmbito doutrinal: «A remissão da excomunhão era uma medida no âmbito da disciplina eclesiástica: as pessoas eram libertadas do peso de consciência constituído pelo castigo eclesiástico mais grave , necessário distinguir entre o nível disciplinar, que concerne às pessoas como tais, e o nível doutrinal, no qual se põem em questão o ministério e a instituição

A remissão da excomunhão, acrescenta, «tem em vista a mesma finalidade que pretende a punição: convidar mais uma vez os quatro bispos ao regresso. Este gesto tornara-se possível depois que os interessados exprimiram o seu reconhecimento, em linha de princípio, do Papa e da sua potestade de Pastor, embora com reservas em matéria de obediência à sua autoridade doutrinal e à do Concílio».

Contudo, o nó doutrinal continua ainda sem ser resolvido, explica o Papa: «O fato de a Fraternidade São Pio X não possuir uma posição canônica na Igreja não se baseia, ao fim e ao cabo, em razões disciplinares mas doutrinais».

«Especificando uma vez mais: enquanto as questões relativas à doutrina não forem esclarecidas, a Fraternidade não possui qualquer estado canônico na Igreja, e os seus ministrosembora tenham sido libertos da punição eclesiástica – não exercem de modo legítimo qualquer ministério na Igreja

Doutrina da Fé

O Papa anuncia em sua carta qual vai ser o procedimento pelo qual enfrentará a questão doutrinal, e que passa por vincular a Comissão Pontifícia Ecclesia Dei, que o cardeal Darío Castrillón preside atualmente, à Congregação para a Doutrina da Fé.

«Deste modo, torna-se claro que os problemas, que agora se devem tratar, são de natureza essencialmente doutrinal e dizem respeito sobretudo à aceitação do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar dos Papas», explica Bento XVI.
Esta Comissão, que o Papa João Paulo II criou um dia depois de consumar-se o cisma, em 2 de julho de 1988, com o Motu proprio «Ecclesia Dei», teve como objetivo, desde sua criação, convidar as comunidades afetadas pela excomunhão de Dom Lefebvre a voltar à comunhão com a Igreja.

Através da Congregação, será solicitada a participação dos bispos de todo o mundo, através «dos organismos colegiais com os quais a Congregação estuda as questões que são apresentadas», e que garantirá «o envolvimento de várias Congregações romanas e dos representantes do Episcopado mundial nas decisões que são tomadas», afirma o Papa.

«Não se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja ao ano 1963 – isto deve ficar muito claro com a Fraternidade», acrescenta.

Reflexão sobre o Concílio

Em sua carta, o Papa se remete a uma das questões-chave, e é o modo em que o Concílio deve ser entendido.
Ainda que brevemente, Bento XVI se remete assim ao conteúdo do Motu Proprio «Ecclesia Dei» de João Paulo II, que tratava amplamente desta questão.

«Para alguns daqueles que se destacam como grandes defensores do Concílio, deve também ser lembrado que o Vaticano II traz consigo toda a história doutrinal da Igreja. Quem quiser ser obediente ao Concílio, deve aceitar a fé professada no decurso dos séculos e não pode cortar as raízes de que vive a árvore.»

Precisamente, esta questão era chave no Motu Proprio de João Paulo II, no qual, por um lado, advertia os cismáticos sobre a «contradição» de sua postura, ao manter «uma noção de Tradição que se opõe ao Magistério universal da Igreja, o que corresponde ao Bispo de Roma e ao Colégio dos Bispos».

«Ninguém pode permanecer fiel à Tradição se rompe os laços e vínculos com aquele a quem o próprio Cristo, na pessoa do Apóstolo Pedro, confiou o ministério da unidade em sua Igreja», esclarecia o texto.

Contudo, o Motu Proprio também fazia um convite aos fiéis a «uma reflexão sincera e profunda sobre sua fidelidade à Tradição da Igreja, proposta autenticamente pelo Magistério eclesiástico, ordinário ou extraordinário, especialmente nos Concílios Ecumênicos desde Nicéia ao Vaticano II.

«Desta meditação todos devemos tirar um novo e eficaz convencimento da necessidade de ampliar e aumentar essa fidelidade, rejeitando totalmente interpretações errôneas e aplicações arbitrárias e abusivas em matéria doutrinal, litúrgica e disciplinar», acrescenta o texto.

Especialmente, João Paulo II pedia aos teólogos e especialistas «um novo empenho de aprofundamento, no qual se esclarece plenamente a continuidade do Concílio com a Tradição, sobretudo nos pontos doutrinais que, talvez por sua novidade, ainda não foram bem compreendidos por alguns setores da Igreja».
Esta decisão de Bento XVI de remeter a questão à Congregação para a Doutrina da Fé supõe portanto um novo esclarecimento, para toda a Igreja, sobre o Concílio Vaticano II e sua continuidade com a Tradição da Igreja, que envolverá teólogos e bispos do mundo inteiro.

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