quinta-feira, 17 de março de 2011

Construir sobre o fundamento do amor.

Nesta entrevista, Dom Dal Toso fala sobre o futuro do dicastério e do trabalho caritativo da Igreja, assim como sua opinião sobre os atuais conflitos no norte da África e por que João Paulo II pode ser considerado um “Papa da caridade”.

ZENIT: Que o Conselho Pontifício pensa da situação de conflito que está transtornando o norte da África?

Dom Dal Toso: Para além das avaliações políticas, a Igreja já se mobilizou para auxiliar as vítimas desta autêntica emergência humanitária. Estou seguro de que esses povos, entre outras coisas graças ao apoio da comunidade internacional, conseguirão encontrar seu caminho. Mas, em geral, a formação integral do homem é o caminho que deve ser percorrido para cortar pela raiz estruturas que continuam gerando injustiça. Nisso a Igreja atua com um trabalho fundamental, quanto à formação das consciências mediante o Evangelho.

ZENIT: Depois da nomeação do cardeal Robert Sarah como novo presidente do Conselho Pontifício, que vem com anos de experiência no campo da Evangelização dos Povos, e também depois da nomeação de um novo subsecretário, quais são as prioridades da nova equipe?

Dom Dal Toso: Antes de tudo, continuidade, pelo caminho que indicou o Santo Padre. Para além das pessoas, importa a missão da Igreja. O Conselho Pontifício, portanto, não interromperá, mas favorecerá cada vez mais a difusão capilar da primeira encíclica de Bento XVI, “Deus caritas est”, na qual se delineia de modo claro, profundo e preciso, o trabalho de “Cor Unum” e dos organismos caritativos.

Em segundo lugar, fazer que “Cor Unum” possa ser um apoio para todas as organizações católicas de caridade, ser um verdadeiro ponto de referência na Santa Sé para todos aqueles que em nome da Igreja estão comprometidos em primeira linha para ajudar o próximo que se encontra em situação de necessidade. Isso significa também estar presente em nome do Santo Padre nas diferentes situações de emergência no mundo e onde quer que seja necessário levar uma mensagem de esperança e um apoio concreto.

ZENIT: O senhor acaba de regressar, junto ao cardeal Robert Sarah, de uma viagem a Burundi, onde inaugurou uma escola dedicada a Bento XVI e construída graças à caridade do Santo Padre.

Dom Dal Toso: Voltei essa semana de Burundi, um país com um passado doloroso, que quer virar a página. Quis-se dizer, com este bonito gesto do Santo Padre, o quão importante é educar o homem e o quanto a Igreja deseja contribuir para esta obra, para construir assim uma sociedade nova. Por isso, a escola Bento XVI foi muito apreciada. Em sua inauguração estava presente quase toda Conferência episcopal e uma qualificada representação do governo.

ZENIT: O mundo das ajudas católicas é muito variado. Que pensa desta presença, deste testemunho da Igreja?

Dom Dal Toso: Efetivamente, o mundo dos fiéis que se dedicam em nome da Igreja a ajudar o próximo é muito variado e sumamente eficiente. Nesta variedade não devemos ver um fator negativo, mas o contrário. Trata-se de uma riqueza. Na recente viagem ao Haiti, por ocasião do primeiro aniversário do terremoto de janeiro passado, nosso presidente pôde constatar pessoalmente que o grande, imenso trabalho realizado no território pelas diferentes organizações católicas e pela Cáritas Haiti é realmente para a população deste atormentado país um farol, um ponto de referência, quase a única fonte de esperança concreta de sair de uma situação aparentemente sem solução.

É muito importante que, junto com nossa caridade material, possa-se manifestar o amor que Deus tem por essas pessoas. Nessa semana foram divulgados os “Lineamenta” do próximo Sínodo sobre a Nova Evangelização. A verdadeira caridade é fazer chegar ao coração de cada homem o amor de Deus. Nossa presença não se pode limitar a dar uma ajuda material, mas deve ter esse “algo mais” de que fala o Papa em sua encíclica. O homem também é constituído de uma alma, que quer conhecer Cristo!

ZENIT: Qual é o parecer do Conselho Pontifício sobre a proposta dos candidatos a secretário geral da Cáritas Internationalis que se apresentaram recentemente à secretaria de Estado?

Dom Dal Toso: Não há nada de novo a acrescentar ao que já foi dito. O cardeal Sarah, durante a conferência de imprensa de 22 de fevereiro, com ocasião da apresentação da Mensagem de Quaresma do Santo Padre, recordou que se voltou a propor a reeleição do atual secretário geral da Cáritas Internationalis, cujo mandato está a ponto de terminar.

Os Estatutos vigentes da Cáritas Internationalis – que a própria Confederação quis – prevêem que a Santa Sé, com um “nulla osta”, confirme ou não confirme as candidaturas apresentadas. Depois de profundas reflexões com a secretaria de Estado, considerou-se oportuno buscar outro perfil para os próximos quatro anos.

Com isso não se quer tirar nenhum mérito ao trabalho da senhora Knight. Em mais de uma ocasião se reconheceu e apreciou publicamente o trabalho que ela realizou. A prática do “nulla osta” é um instrumento necessário, a fim de que os responsáveis últimos por um organismo possam guiá-lo do modo mais conveniente, pelo bem do próprio organismo. Durante os próximos quatro anos, a Cáritas estará comprometida em temáticas substanciais para sua missão, como a reforma dos Estatutos e do regulamento interno.

ZENIT: Em uma entrevista recente, a senhora Knight criticou o trabalho da Santa Sé e reconheceu diferenças entre sua agenda pessoal, seus tempos de ação, e o modo de ver as coisas no Vaticano. Que o senhor pensa disso?

Dom Dal Toso: É compreensível que depois de quatro anos de dedicação e trabalho profissional sério, a senhora Knight levado no coração a instituição e a sinta como própria, mas olhar para o futuro implica não ter medo da renovação dos cargos e da aprovação dos novos Estatutos com um consenso ampliado, que implica um verdadeiro diálogo com as instâncias apropriadas. Por outro lado, suas declarações sobre a falta de sintonia com a Santa Sé poderiam causar um grave dano no prestígio da Cáritas Internationalis, especialmente entre os fiéis.

Quanto ao método, quero dizer que não creio que usar os meios de comunicação para discutir questões de governo da Cáritas Internationalis seja o melhor modo de enfrentar os diferentes pontos de vista. Isso é comunicação unidirecional e não diálogo. Seria mais fácil utilizar os canais previstos para escutar e expor as próprias opiniões: a Cáritas Internationalis tem sua sede em Roma, a dez minutos de carro do Vaticano, tem um representante de “Cor Unum” na junta diretiva, como se afirma na própria entrevista, e o presidente de “Cor Unum” é um cardeal em estreito contato com o cardeal secretário de Estado. Parece-me que não faltam interlocutores, nem a vontade de diálogo da nossa parte, como na Cáritas Internationalis se sabe muito bem.

ZENIT: Em maio se celebrará a beatificação de João Paulo II. Poderia dizer algo a respeito?

Dom Dal Toso: João Paulo II pode ser considerado, com toda razão, um “Papa da caridade”. Seu pontificado se caracterizou por dois aspectos: o testemunho concreto da caridade e o anúncio explícito da mensagem evangélica. Ao coração do homem chega-se só através de Cristo!

Ele tinha muito claro este sinal dos tempos, esta urgência de voltar a levar Deus ao homem moderno, secularizado, distante, para que realmente possa ser feliz, completo e realizado. Graças a sua vontade, confiaram-se ao Conselho Pontifício “Cor Unum” duas fundações que sustentam há mais de 20 anos o desenvolvimento integral das populações desfavorecidas, exploradas e marginalizadas, uma na América Latina (a Fundação “Populorum Progressio”) e uma para os países do Sahel, na África (a Fundação João Paulo II para o Sahel).

No dicastério ainda está viva a memória do encontro do Papa com os operadores da caridade de todo o mundo, em 1999. Naquela ocasião, “Cor Unum” reuniu em Roma os representantes de diferentes realidades eclesiais, que deram seus testemunhos na praça de São Pedro sobre a experiência da caridade de Deus em suas vidas: como tinha sido possível perdoar, amar, reconstruir, atuar pelo bem do outro. Volta-se sempre ao conceito evangélico da necessidade de construir nossa casa, que representa em menor escala a sociedade, sobre o cimento sólido do amor verdadeiro, que é o amor de Deus. Do contrário, as estruturas – diz o próprio Senhor – não se mantêm em pé

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