domingo, 24 de outubro de 2010

Entrevista com Dom Filippo sobre momento político no Brasil.



POR FERNANDO MOLICA

Coordenador da Pastoral Católicos na Política no Estado, Dom Filippo Santoro, bispo de Petrópolis, afirma que a Igreja Católica não considerou suficiente a retirada, pelo governo, da proposta de legalização do aborto incluída no Plano Nacional de Direitos Humanos 3.

Nesta entrevista, concedida por e-mail, o bispo critica outros pontos do PNDH 3 que, segundo ele, tende “a alterar profundamente as bases da nossa sociedade”.
Dom Filippo acaba de voltar de Roma, onde participou de visita de bispos do Rio ao papa. Segundo ele, Bento XVI “manifestou plena confiança no processo democrático do nosso País”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Não é comum que muitos setores da Igreja se posicionem de forma tão direta contra uma candidatura. O que gerou isto?

Identifico duas razões. A primeira é a participação intensa da Igreja Católica no processo que levou à aprovação da Lei 9.840 (que pune a compra de votos) e depois da Lei da Ficha Limpa, envolvendo fiéis normalmente estranhos às disputas políticas.

Significa que o povo não ficou indiferente diante de tantos escândalos que afetaram e continuam caracterizando negativamente a vida política do País; isto pesa de forma determinante.
O outro motivo foi a questão da defesa total da vida desde a concepção até o seu fim natural. É uma questão que diz respeito não só à questão do aborto, mas também à saúde, à família, ao direito de ir e vir livremente. Também afeta a liberdade de imprensa e de educação, incluindo a questão do ensino religioso confessional e plural, reconhecido pelo Acordo entre Brasil e Santa Sé.

Setores da Igreja, entre os quais a Pastoral Católicos na Política criticaram muito o PNDH 3. Por quê?

Não é aceitável a visão da pessoa fechada ao transcendente, sem referência a critérios objetivos e determinada substancialmente pelo poder dominante e pelo Estado. A dignidade da pessoa, aberta ao mistério, é o fundamento dos Direitos Humanos e da convivência social de uma sociedade justa. No PNDH 3, a maneira como são tratados temas como a vida, família, educação, liberdade de consciência, de religião e de culto, de propriedade em sua função social e de imprensa, revela esta antropologia reduzida.

O governo assumiu o compromisso de retirar a legalização do aborto do PNDH 3. Não é suficiente?

Não é suficiente um remendo pelo qual a questão do aborto foi retirada do PNDH 3 e falaciosamente considerada “questão de saúde pública”. É necessário levar em conta a orientação de vastos setores da sociedade entre os quais muitos não são católicos e que têm um profundo senso religioso que influencia positivamente a vida social.

A religião, falo especificamente da fé católica, não serve só para a outra vida, mas dá sentido, beleza e dignidade a esta vida.

O Estado é leigo, mas não ateu; deve respeitar a religiosidade das pessoas e das agregações sociais. O PNDH 3 tem também aspectos positivos, mas como está, tende a alterar profundamente as bases da nossa sociedade.

Que pontos são essenciais para que um candidato à Presidência tenha o apoio unânime da Igreja?

São os pontos apresentados na nota da CNBB nacional, a Declaração Sobre o Momento Político Nacional, e especificamente no caso do Regional Leste 1, dos bispos do Estado do Rio de Janeiro: as Orientações e Critérios para as Próximas Eleições.

Em primeiro lugar, a defesa da dignidade da pessoa humana e da vida em todas as suas manifestações, desde a sua concepção até o seu fim natural com a morte. Rejeitamos veementemente toda forma de violência, bem como qualquer tipo de aborto, de exploração e mercado de menores, de eutanásia e qualquer forma de manipulação genética.

Em seguida, os bispos apresentam os outros critérios da defesa da família segundo o plano de Deus (rejeitando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção de crianças por casais homoafetivos, a legalização da prostituição, das drogas, do tráfico de seres humanos), a liberdade de educação, o princípio de solidariedade (a opção preferencial pelos pobres), de subsidiariedade (o Estado deve apoiar e não abafar a ação de grupos, associações e famílias que trabalham em vista do bem comum), a construção de uma cultura da paz em todos os níveis, particularmente na defesa da infância e da adolescência contra qualquer forma de violência.

A posição que o senhor e muitos setores da Igreja defendem não são unânimes. Setores da própria direção da CNBB deixaram isto claro. O senhor não teme que as manifestações contra uma das candidaturas – no caso, a da ex-ministra Dilma Rousseff – criem uma divisão na Igreja?

Nós, Bispos do Regional Leste 1 da CNBB, tomamos uma posição no início do processo eleitoral e agora a confirmamos, em sintonia com a nota da CNBB de 8 de outubro 2010, não indicando partidos ou candidatos, exortando os fiéis católicos a terem presentes critérios éticos. A mesma nota da CNBB nacional afirmava que “é direito – e mesmo, dever – de cada Bispo, em sua Diocese, orientar seus próprios diocesanos, sobretudo em assuntos que dizem respeito à fé e à moral cristã”.

O senhor e outros bispos brasileiros acabam de voltar de Roma. Os senhores estiveram com o Papa? As eleições brasileiras foram discutidas com ele? Há alguma preocupação de Roma com os eventuais resultados da eleição?

O encontro dos bispos do Estado do Rio com o Papa foi algo extraordinário. Na minha conversa particular, ele manifestou plena confiança no processo democrático do nosso País, que tem o maior número de católicos no mundo. Em nós, bispos, depois do encontro com o Santo Padre, cresceu o desejo de confirmar na fé e no espírito missionário os nossos fiéis, para que possam fazer coerentemente suas escolhas também em campo político, e dar a toda a nossa sociedade um suplemento de esperança.

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