quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O rumo certo do debate.

Tendências/Debates - Folha de São Paulo
26/12/09
Somos contrários que se faça uma lei sobre a ortotanásia pela dificuldade que temos de, ao legislar sobre ortotanásia – que é o decorrer natural do processo de morte, sem intervenção de tratamento artificial que prolongue a vida vegetativa do paciente -, abrirmos brecha para a aprovação da eutanásia no país. Consideramos melhor disciplinar sobre os procedimentos assegurados ao paciente. Por isso, preocupado com o tema, apresentamos o Projeto de Lei 6.544/2009, que dispõe sobre os cuidados devidos a pacientes que se encontrem em fase terminal de enfermidade. A vida humana deve receber todo cuidado e toda atenção, desde a concepção até completar seu curso natural, pois todo ser humano tem direito de nascer, crescer e chegar ao fim de sua vida com dignidade.
Sabemos que drogas e máquinas de última geração são capazes de manter um cidadão “vivo” por muito tempo, às vezes, por anos, sem nenhuma perspectiva concreta de recuperação. No entanto, a ética, o bom senso e a caridade determinam ser desnecessário prolongar a vida artificialmente, se tal procedimento não levar à esperança de reversão do quadro clínico ou da recuperação do paciente, em casos terminais.
Um exemplo claro do que estamos nos referindo – e que o mundo inteiro tomou conhecimento - ocorreu com o Papa João Paulo II. Diante sua enfermidade, mantê-lo artificialmente, sobrevivendo por aparelhos, em nada melhoraria seu quadro, além de prolongar seu sofrimento e de todos que o amavam.
É importante ressaltar que uma decisão da prática da ortotanásia deve sempre ser tomada com aquiescência do paciente e dos seus familiares e/ou responsáveis, conforme aconteceu com o Papa João Paulo II. À luz do projeto de lei que queremos aprovar, é mais ético e moral que se procure aliviar a dor do paciente e que se lhe ofereça qualidade de vida junto a seus familiares, evitando intervenções agressivas que não tragam esperança de vida e sim mais sofrimento e desgaste para o paciente e para a família.
Urge alertar a classe médica para um sério discernimento sobre as condições do paciente e dos meios terapêuticos à disposição, pois a renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia. O projeto de lei 6544/2009 distingue-se em tudo e por tudo da eutanásia, que não é aceitável. O médico deve esclarecer ao paciente em fase terminal de enfermidade, à sua família e ao seu representante legal as modalidades terapêuticas, adequadas e proporcionais para o tratamento do seu caso específico.
O Papa Pio XII, em 1957, afirmava que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a conseqüência de limitar a consciência e abreviar a vida, “se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais”.
No entanto, também deve ser considerado que a Igreja Católica nos diz no Código Canônico (n° 65): “Não se deve privar o paciente da consciência de si mesmo, sem motivo grave. Quando se aproxima a morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares e devem sobretudo poder preparar-se com plena consciência para o encontro definitivo com Deus”.
Os dois princípios devem ser considerados antes de qualquer decisão.
Consideramos, ainda, fundamental que haja mecanismos que permitam, com segurança, detectar casos semelhantes a esses e que os pacientes deles se beneficiem, sem, no entanto, abrir-se à possibilidade da prática da eutanásia.
Acreditamos que, com a aprovação do projeto de lei de nossa autoria, daremos os balizadores necessários para que a Comissão de Ética Multidisciplinar em cada unidade hospitalar possa intervir com segurança nesses casos.
O assunto certamente levará a profundos debates na Comissão de Seguridade Social e Família, onde tramitam as duas proposições. Assim, daremos uma resposta à sociedade atendendo os pressupostos da ética médica, a dignidade humana e o profundo respeito aos direitos do paciente.
Miguel Martini
Deputado federal pelo PHS/MG. Escritor e historiador.

www.miguelmartini.com - email : dep.miguelmartini@camara.gov.br

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