domingo, 7 de fevereiro de 2010

Entrevista com Hugo Leal.

Um levantamento feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) indicou redução de mortes e mudança de comportamento nas rodovias federais um ano após a promulgação da Lei Seca. Pelo balanço, 6.614 pessoas morreram em acidentes entre 20 de junho do ano passado até maio desde ano. São 115 mortes a menos que o total registrado entre 20 de junho de 2007 e 17 de junho de 2008. Houve redução de 2% no índice de mortes e de 3% no total de desastres com vítima fatal.

1) Segundo estatísticas da Polícia Rodoviária Federal, o consumo de bebida alcoólica é uma das principais causas de acidentes automobilísticos no país. Este número, após a Lei Seca, reduziu consideravelmente. O senhor acredita que este fato deve-se a fiscalização ou a mudança de hábitos da população, que está mais consciente?

No caso brasileiro, não há a menor dúvida de que a edição da Lei 11.705/08 e a sua imediata aplicação contribuiu significativamente para os registros decrescentes das ocorrências de trânsito. Além da fiscalização ostensiva em alguns estados – principalmente nas cidades com frota circulante expressiva – é fundamental destacar o papel dos meios de comunicação, que durante meses trataram da matéria com muita seriedade. A Lei 11.705/08, a chamada Lei Seca, teve o mérito de despertar a consciência nacional para o grande flagelo da violência no trânsito, principalmente aquela provocada pela combinação álcool e direção, que é a principal causa da morte prematura dos jovens brasileiros.

2) Algumas pessoas defendem a tese de que há um “nível seguro” de álcool no organismo, que não compromete o reflexo e nem impede uma pessoa de dirigir. Como o senhor analisa esta questão? Como foram estabelecidos os limites desta dosagem de álcool no organismo?

Quando fui designado pela Presidência da Câmara dos Deputados relator do Projeto de Conversão em Lei da Medida Provisória 415, que proibia a venda de bebidas alcoólicas
nas rodovias, minha primeira providência foi promover a mais ampla discussão sobre o assunto. Foram feitas reuniões com médicos da ABRAMET (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) para que fosse respondida a seguinte pergunta: “Qual o limite seguro padrão de ingestão de álcool que não afete os sentidos de qualquer cidadão?”.
A resposta foi objetiva. “Não há limite seguro padrão. Cada organismo reage diferentemente em função de diversos fatores, como compleição física, resistência orgânica, condições de saúde e quantidade e qualidade de alimento ingerido. A presença de qualquer quantidade de álcool na corrente sanguínea já afeta sentidos importantes como o equilíbrio, a coordenação motora, a capacidade de reação e o senso de perigo”.
Diante dessa afirmação categórica de médicos especialistas, decidimos pela tolerância zero no consumo de bebidas alcoólicas para quem dirige um veículo automotor. Para alguns leigos, que acham que houve exagero na lei, costumamos dizer que não há exageros quando o objetivo é preservar vidas e evitar sequelas permanentes em dezenas de milhares de vítimas inocentes.
Ninguém está proibido de beber. O que a lei não permite é dirigir depois de beber.

3) É justo dar ao motorista que se recusa a fazer o teste do bafômetro a mesma punição destinada a pessoas comprovadamente alcoolizadas – ou seja, multa de R$ 957,00 e suspensão
do direito de dirigir por um ano?

O que a lei estabeleceu foi um limite entre a infração administrativa (multa, suspensão da CNH e retenção do veículo) e a sanção penal (todas as penas administrativas acima descritas mais a abertura de processo criminal). Tramita na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que promove uma ampla reformulação em alguns artigos do Código de Trânsito. Um deles trata exatamente dessa questão. Pelo substitutivo, incidirá nas mesmas penas o condutor que apresente sinais notórios de embriaguez, ainda que não seja possível precisar a concentração de álcool pela recusa do teste do bafômetro, por exemplo.
Incorrerá também no Código Penal o condutor que, sob o efeito de álcool, seja responsável por acidente que resulte em ferimentos graves, debilidade permanente, invalidez ou morte da vítima. Nesse último caso, a pena será de reclusão de quatro a 12 anos, multa e cassação definitiva do documento de habilitação.

4) Otimizar os meios de transporte, em sua opinião, seria importante para que a Lei Seca obtenha ainda mais resultados?

Transporte público de qualidade e eficiente são direitos do cidadão e defendo essa premissa independentemente do benefício acessório no que tange à eficiência da Lei Seca. Mas o que está fazendo a diferença e contribuindo para a sempre crescente redução da violência no trânsito é a consciência do cidadão e a fiscalização permanente. Devemos aplicar a recomendação da Organização Mundial de Saúde que defende, além de campanhas permanentes de comunicação, testes anuais de pelo menos 1/3 dos condutores da frota em circulação. Em termos de Brasil, isso significaria avaliar anualmente cerca de 20 milhões de motoristas.

5) O senhor participou da Primeira Conferência Mundial Ministerial sobre Segurança Viária, realizada pela ONU em Moscou, nos dias 19 e 20 de novembro. Qual foi o objetivo do evento e o que trouxe de experiência positiva para o Brasil?

Resumidamente, o objetivo da Conferência foi reunir as lideranças governamentais do planeta em torno de um pacto mundial em defesa da vida no trânsito e da promoção da segurança na circulação viária. Apesar da curta duração do evento, apenas dois dias, foi possível conhecer casos de sucesso onde metas audaciosas foram alcançadas, através de vontade política combinada com a firme determinação das autoridades. O exemplo francês, país que estive nos dois dias anteriores aos da Conferência, é o paradigma que o Brasil deve seguir. Em menos de uma década, a partir de 2002, foi possível reduzir as morte no trânsito em quase 50%. Na Conferência de Moscou foi lançada as bases para a deflagração da DÉCADA DE AÇÕES DE SEGURANÇA NO TRÂNSITO 2011/2020, que aqui no Brasil vai começar já em 2010, conforme desejo da sociedade, manifestado em um Fórum Internacional da OMS (Organização Mundial de Saúde) realizado em outubro passado na cidade do Rio de Janeiro e confirmado no dia 15 de novembro, em Curitiba, durante a celebração do DIA MUNDIAL EM MEMÓRIA DAS VITIMAS NO TRÂNSITO. Teremos, portanto, um ano para nos prepararmos e mostrar ao mundo que também temos compromisso com a vida no trânsito.

Publicado no Jornal VILA EM FOCO
Por Fátima Fiuza

Nenhum comentário: