segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Projeto de Lei 122/2006: homofobia ou heterofobia? (I)

Constituição Federal. Título II. Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...).”

A Constituição Federal de 1988 representa para a nossa sociedade o documento público de maior relevância e repercussão jurídico-político-social. É de tal modo importante que os principais e fundamentais valores e preceitos costumeiros da nossa sociedade estão lá, de modo categórico, estabelecidos; seja na forma de princípio jurídico-constitucional, seja na forma de norma jurídico-constitucional.

E um princípio jurídico – como todo o “Direito” em si – nasce na sociedade e é estabelecido pela sociedade, para a sociedade, seja por via direta, seja através dos representantes que a própria sociedade elege para consecutar a atividade legislativa. Na verdade, um princípio jurídico é um valor social tão importante e insuperável da sociedade que ela entende que não pode viver sem o mesmo e, em assim sendo, a partir de tal constatação, resolve, para dar uma maior estabilidade às relações sociais, esculpi-lo no sistema jurídico, primeiramente, na Constituição.

Do mesmo modo, as normas jurídicas, como pautas de comportamento que a sociedade estabelece para todos, indistintamente, nada mais são do que expressões daquilo que ela mesma considera ser o seu “bem”, o seu “belo” e a sua “verdade”. O que os romanos chamavam de mores maiorum civitatis, isto é, a moral da sociedade. E tudo isso se forma – os princípios e normas do nosso ordenamento jurídico – através de um sistema de exercício e controle de poder que, no nosso caso, chamamos de democracia. Democracia que, no dizer de Abrahan Linconl, é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Onde, democraticamente, os princípios e normas jurídicas são estabelecidos nos parlamentos. De tal maneira que o “Direito”, uma vez institucionalizado, deve representar o padrão moral da maioria da sociedade, sempre respeitando o direito de expressão dos que contra esta maioria se opõe, porque seria inadmissível, num Estado que se diz Democrático de Direito – onde mais do que isso, os direitos sejam, realmente, democratizados – a suplantação dos princípios da liberdade de expressão, de pensamento e de crença, todos, inclusive, garantidos pela nossa Constituição de 1988.

Por que estamos a dizer tudo isso? Qual o “leitmotiv” (motivo condutor) deste nosso ensaio semanal, onde já na epígrafe começamos dizendo que a nossa CF de 1988 estabelece, como direito fundamental, que todos são iguais perante a lei de modo que nenhum indivíduo ou grupo social – por mais forte ou mais fraco que seja – pode ter, sem razão de ser, privilégios legais em contraposição aos interesses dos demais que estão na mesma situação?

O motivo que nos conduz a escrever, analiticamente, aqui, e que tem tudo a ver com o que dissemos acima – isto é, com o direito como expressão democrática dos anseios e valores sociais e não de apenas um grupo social que quer impor a sua visão de mundo a todos – é o Projeto de Lei 122/2006, que tramita no Senado Federal e que tem como relatora a Senadora Fátima Cleide (PT-RO). Na verdade, tal projeto iniciou ainda em 2001 na Câmara Federal (PL 5.003/2001) com a proposição e relatoria da ex-Deputada Federal Iara Bernardi (PT-SP) e tem sido oficialmente apoiado pelo Governo Federal.

Tal projeto visa a alterar o Código Penal, a Lei nº 7.716/89 e a CLT (Consolidação de Leis Trabalhistas) e o seu objetivo precípuo é criminalizar condutas consideradas “homofóbicas”. E o que seria isso?

O termo “homofobia” foi cunhado em 1972 pelo psiquiatra norte-americano George Weinberg, no livro “Society and the Healthy Homosexual” (New York, St, Martin’s Press, 1972) e, nesta sua definição clínica, seria “medo e ódio aos homossexuais”. Na verdade, como esclarece o filósofo Olavo de Carvalho “até hoje os apologistas do movimento gay não entraram num acordo sobre se existe ou não a homofobia como entidade clínica, comprovada experimentalmente.”. O fato é que, seja como for, “é absolutamente impossível provar, por meios experimentais ou por quaisquer outros, que toda e qualquer rejeição à conduta homossexual seja, na sua origem e nas suas intenções profundas, é substancialmente idêntica ao impulso assassino voltado contra homossexuais.”. É exatamente assim que o PL 122/2006 faz. Em verdade, faz mais do que isso, pois, na contramão das tendências modernas do Direito Penal, que descriminaliza condutas, o referido projeto quer impor, criminalizando e colocando o aparato policial a serviço de um grupo restrito (os homossexuais), valores que vão de encontro ao que pensa a esmagadora maioria da sociedade brasileira que é, eminentemente, cristã e heterossexual.

Pior que isso é a forma como o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e está agora sendo votado no Senado Federal, isto é, sem debate algum com a sociedade civil, de modo que estamos bem próximos do estabelecimento de uma “ditatura da minoria”. E por isso a questão temática: “homofobia ou heterofobia?” Porque, conforme veremos, nos termos do Projeto, os heretossexuais é que passarão a ter medo do que pode acontecer com eles caso, por exemplo, insurjam-se contra um professor que, por ser homossexual, está ensinando na escola fundamental que o filhinho é livre para escolher ser homossexual ou heterossexual, independentemente da educação de seus pais. E se o diretor da escola, sabendo disso, demite o professor homossexual, nesse caso, segundo também estabelece o projeto, os dois (o pai da criança e o diretor) podem ser presos e condenados. Ou, num outro exemplo, tão grave quanto esse, imagine o Padre ou Pastor que, na sua homilia, discursa condenando as práticas homossexuais, como sodomia, lesbianismo, pederastia e etc. Ele, segundo o projeto, pode ser preso em flagrante delito pela Polícia e ser condenado de 2 a 5 anos de reclusão. Esses são só dois exemplos!

Homofobia ou Heterofobia? Eu, como professor e cristão, uma vez aprovado o Projeto de Lei 122/2006 que aí está – flagrantemente inconstitucional, conforme veremos nas próximas semanas – jamais poderia estar dizendo o que estou dizendo aqui, sob pena de ser considerado homofóbico. Onde vamos parar? Pois, nos termos em que estamos, o normal virou anormal e o anormal virou o normal.

Colaboração: Uziel Santana (
Mestre em Direito pela UFPE e professor da UFS – ussant@ufs.br).

Publicado anteriormente no jornal Correio de Sergipe ]

Projeto de Lei 122/2006: homofobia ou heterofobia? (II)

Na semana passada, começamos a analisar o projeto de lei que tramita no Senado Federal, sob a relatoria da senadora Fátima Cleide (PT-RO), e que visa a alterar o Código Penal, a Lei nº 7.716/89 e a CLT. Vimos que o objetivo precípuo de tal projeto é a criminalização de condutas consideradas "homofóbicas", isto é, contrárias ao homossexualismo e às suas várias formas de expressão.

No caso, como vimos e passaremos a pormenorizar no presente ensaio jurídico, o Congresso Nacional está para aprovar uma lei que impede - e mais que isso, criminaliza! - qualquer manifestação - seja ela intelectual, filosófica, ideológica, ética, artística, científica e religiosa - contrária ao homossexualismo e às suas práticas.

Pragmaticamente, isso quer significar a imposição, flagrantemente inconstitucional, de condutas típicas de estados totalitários, tais como: a implantação da censura, da não liberdade de pensamento, da não liberdade de crença, da impossibilidade da livre manifestação intelectual e artística, a imputação de crimes de opinião e, principalmente, o uso - ilegítimo, ressalte-se - do aparato estatal-policial para intimidar e fazer valer a vontade de um grupo específico de pessoas. Tudo isso fulcrado num discurso oficial manifesto de que é para impedir a discriminação, o preconceito e a violência contra os homossexuais. Mas esse é o discurso manifesto, porque, latentemente, sabemos que se trata da imposição do modo de ser, pensar e agir de uma minoria que não se contenta em apenas ser respeitada. Querem muito mais. Querem a imposição, indistinta e absoluta, desse seu modo particular de ser, pensar e agir, a todos.

Isso porque se trata de uma falácia semântica (para não dizer como Olavo de Carvalho o faz: um delito semântico) atestar que qualquer manifestação contrária às práticas homossexuais significa homofobia, isto é, violência ou incitação à mesma. Como afirmamos antes, uma coisa é o respeito à opção e predileções que cada um tem; outra, muito diferente, é a imposição dessas opções e predileções a quem assim não consente.

É desproporcional, abusivo e inconstitucional admitir que, se um padre ou pastor, nos seus sermões, sendo fiel ao texto que eles têm como regra de fé e prática - a Bíblia -, assente que as práticas homossexuais são pecados abomináveis perante Deus, mas que este "apesar de aborrecer o pecado, ama o pecador e por assim ser quer curá-lo, libertá-lo e salvá-lo" estejam assim sendo homofóbicos. É razoável isso? Se o for, qual o próximo passo? Proibir a circulação da Bíblia ou parte dela? Porque vejam o que diz o Apóstolo Paulo em Carta aos Romanos, escrita no ano 55 d. C.: "Por isso Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para desonrarem seus corpos entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Por causa disso, os entregou Deus às paixões infames; porque até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro, contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição pelo seu erro.(Romanos 1:24-27)". E então? Vamos, a partir da aprovação do referido projeto, mandar prender padres, pastores e qualquer líder cristão que se opõem não ao homem ou mulher que pratica o homossexualismo, mas a tais práticas? Imaginem só que, na próxima visita do Papa ao Brasil, os integrantes da sua comitiva que, como ele, não tiverem imunidade diplomática, poderão ser presos em flagrante acusados de homofobia.

A pergunta que não quer calar é: essa é realmente a vontade da maioria da sociedade brasileira? Estamos diante de uma intolerância heterossexual ou de um totalitarismo homossexual, disfarçado em um discurso de promoção dos direitos humanos e do politicamente correto?

A Constituição Federal garante, no "caput" do art. 5º, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (..) garantindo-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade (..)". Mais que isso, afirma a mesma, no seu art. 1º, inciso III, que constitui fundamento da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, tudo isso significa, por exemplo, que se a minha predileção (que não é o mesmo que inclinação natural! Porque as predileções são determinadas culturalmente) é ser fumante ou não, homossexual ou heterossexual, acreditar em Deus ou não, ser católico, evangélico, espírita, capitalista ou comunista, enfim o que quer que seja - desde que não seja contrário ao sistema jurídico - tudo isso está num nível de dispositividade e volição de cada um. Agora, a Constituição não permite a criminalização e conseqüente condenação de pessoas pelo simples fato de elas se oporem ideológica, ética, religiosa ou culturalmente contra certas idéias ou tendências.

Ademais, de modo claro e perempório, a CF estabelece no art. 5º, como direito e garantia fundamental, que "é livre a manifestação do pensamento" (IV), "é inviolável a liberdade de consciência e crença"(VI), "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política" (VIII), "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (IX). Pela simples leitura desses dispositivos constitucionais já podemos vislumbrar a inconstitucionalidade do referido Projeto de Lei 122/2006.

No próximo ensaio, vamos comentar, jurídica e exemplificadamente, cada um dos 12 artigos do aludido projeto e, ao final, vamos demonstrar a falácia que sustenta os motivos determinantes para a aprovação do mesmo. Isso porque, hoje, todos nós, indistintamente, se temos um direito fundamental violado, podemos usar as várias garantias constitucionais, como por exemplo, o Habeas Corpus, o Mandado de Segurança e etc. Por que, então, os homossexuais vítimas de violência não usam os mesmos instrumentos? Se o sistema quer somente proteger, por que criminalizar condutas ao invés de tão-somente promover políticas públicas de conscientização? A idéia é protetiva ou impositiva de um padrão de comportamento?
Uziel Santana
Advogado, Mestre em Direito pela UFPE e Professor da UFS –
ussant@ufs.br

sábado, 11 de dezembro de 2010

História de Volta Redonda. Grande matéria.

Aurélio Paiva - "O camelo é um cavalo que foi desenhado por um grupo de burocratas"

Piada comum no serviço público

Embora conhecida antes de 1800 e fotografada antes de 1864, a famosa linha curva do Rio Paraíba que deu nome a Volta Redonda não existia antes de 1867, segundo decisão da Superintendência de Patrimônio da União (SPU). Pior: não existiu até que fosse feito o aterro no bairro conhecido como Aterrado, o que ocorreu cem anos depois, em 1967. Durante todo este tempo, segundo o mapa traçado pela SPU, o rio tinha não o formato de uma ‘volta redonda', mas sim o formato de um "camelo". Esta mudança no mapa do Rio Paraíba vai permitir que o governo federal confisque as terras dos moradores da maior parte dos bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças. Eles passarão para a condição de ocupantes de terras da União, tendo que pagar por isso 5% do valor das terras, anualmente, à União, a título de taxa. Aliás, os moradores já começaram a receber uma carta - não registrada - a título de intimação, com dez dias de prazo para apresentar recurso (impugnação) ou se declararem ocupantes do imóvel da União. O objetivo do governo federal é cumprir, com 130 anos de atraso, a Lei 1.507 de 26 de setembro de 1867 e o Decreto 4.105 de 22 de fevereiro de 1868, ambos assinados por Sua Majestade Imperial Dom Pedro II. Esta legislação determinava uma servidão pública de 15 metros às margens dos rios navegáveis, a partir do ponto da LMEO (Linha Média de Enchentes Ordinárias). Esta linha média (LMEO) é, na verdade, a margem do rio durante um ano de vazão normal, não computadas as grandes enchentes - as chamadas enchentes extraordinárias. Ou seja, ela traça o curso normal do rio, como aquele que deu o nome a Volta Redonda em razão da linha que produz uma curva perfeita. Para fazer cumprir a lei após 130 anos, a SPU teria pela frente um desafio: determinar como era a margem do Rio Paraíba em 1867. Neste caso, reza o regulamento que a SPU teria que levantar dados históricos, como livros, história e fotografias, em bibliotecas, prefeituras e até igrejas. Nada disso foi feito. A SPU, na verdade, se resumiu a mandar fazer um levantamento do solo dos bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças para descobrir o óbvio: que ali foram feitos aterros. O do Aterrado ocorreu em 1967 e o do bairro Nossa Senhora das Graças no início dos anos 60. Antes dos aterros, segundo concluiu a SPU sem qualquer fundamento histórico, a margem do Rio Paraíba ocupava aquelas áreas. Ou seja, ainda segundo a SPU, os aterros alteraram a margem do Rio Paraíba e deram a ele, então, o formato que deu o nome a Volta Redonda. Só falta a SPU explicar como, quatro décadas antes, em 1926, a cidade se tornou o Distrito de Volta Redonda, e, em 1954, se emancipou com o nome de Município de Volta Redonda. Finalmente, falta explicar por que o povoado já tinha este nome antes de 1800, quando nem Sua Majestade Imperial havia nascido.

Aterros foram feitos para cobrir ‘brejos' - ‘Lagoas' artificiais foram criadas por escavações de olaria que tirava argila do local

Uma rápida pesquisa histórica mostra que o aterro dos bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças foram feitos não para empurrar a margem do Rio Paraíba do Sul e criar a sua ‘volta redonda', mas sim para cobrir os brejos profundos existentes no local, que foram produzidos no Século XX e pela ação do homem. O que aconteceu foi a instalação de uma olaria, no atual bairro Aterrado (antigo bairro Estação Velha), que passou a usar a argila das imediações para fazer tijolos. A olaria, chamada de Fábrica de Produto Cerâmicos, da firma A.Barreiros e Cia. Ltda, foi fundada em 1924, conforme relata o historiador J.B. de Athayde, no seu livro "Volta Redonda - A Cidade do Aço" - publicado em 1954. A ação da olaria criou gigantescos buracos que viraram verdadeiras lagoas no bairro. Um testemunho do fato encontra-se nos arquivos (com gravação e transcrição) do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. Trata-se de um depoimento do primeiro tabelião do município de Volta Redonda, Alan Cruz, cuja sede do cartório, onde a entrevista foi feita, se encontrava exatamente no bairro Aterrado. A entrevista foi realizada em 1999, pouco antes de Alan morrer. Alan contava a história da construção da CSN e citava o aterramento da Vila Santa Cecília (onde o terreno era barrento), quando foi indagado pela pesquisadora Verena Alberti se é por isso que o local se chama Aterrado. Alan explicou que a área da Vila e do Aterrado foram aterradas por razões diferentes:

- Aqui (no Aterrado) também foi (feito aterro), pois aqui, onde nós estamos, era uma olaria, mas não da siderúrgica, esta aqui era particular. Então isto aqui era tudo cheio de buraco, só de lagoa, porque eles iam tirando a terra para fazer tijolo.

Ponte foi construída em 1864 - Obra foi inaugurada três anos antes do ano em que, segundo a SPU, o rio , sem sua ‘volta redonda', ocuparia os bairros Aterrado e Nossa Senhora das Graças

O que o tabelião Alan Cruz disse ao CPDOC - o atual bairro Aterrado era cheio de brejos artificiais - qualquer morador mais antigo da cidade sabe. Como sabe também que isto não impedia o trânsito de pessoas pelo bairro. Afinal, em 1864, a atual Av. Paulo de Frontin, antiga Rua da Ponte, cortava toda a extensão do bairro, indo da ponte de madeira que ligava Niterói ao Aterrado, até o final do bairro, onde ficava a Estação Velha, próximo ao atual Viaduto Nossa Senhora das Graças. O historiador J.B. de Athayde narra que, em 1862, foi organizada uma sociedade chamada Companhia da Ponte, destinada a construir a ponte entre Niterói e o Aterrado, cobrando taxa de passagem ou pedágio. A companhia era presidida pelo comendador Bernardo José Vieira Ferraz. Em 1864, a ponte foi inaugurada. Pelos estudos atuais da SPU a ponte não teria razão de ser. Afinal, estaria ligando o bairro Niterói (então povoado de Santo Antônio de Volta Redonda) não ao bairro Aterrado, mas ao leito do próprio Rio Paraíba do Sul. Seria uma ponte sui-generis: as pessoas a atravessariam e desembocariam dentro do rio.Todos sabem que isto não ocorreu. A ponte sofreu uma série de reformas, em 1876, 1902 e 1918, até cair uma de suas vigas, já em 1947. Em 1949, o governador do Estado, Macedo Soares, iniciou , no mesmo local, a construção da ponte atual (inaugurada em 1951) que tem o mesmo comprimento da velha ponte de madeira que, durante 70 anos, deu passagem à população por sobre o rio, e não para dentro do rio,como quer a SPU. Aliás, há um amplo acervo fotográfico da ponte desde seus primórdios até os dias atuais. E uma única coisa em comum: em nenhuma delas o Rio Paraíba faz o traçado imaginado pelos técnicos da SPU. Em 1874 a ponte ganhou até uma linha de bonde com tração animal, como conta J.B. de Athayde. Esta foi a primeira linha de bonde que existiu na localidade e foi ser suprimida em 1918. Ela ligava o bairro Niterói à Estação Velha, cortando todo o bairro sem, em nenhum momento, afundar no Rio Paraíba.


O Rio Paraíba hoje, com seu traçado formando uma linha curva que deu nome a Volta Redonda.

O Rio Paraíba nos idos de 1860 (antes da ponte construída em 1864), em foto da época.




Montagem de como o governo federal diz que era o Rio Paraíba nos mesmos idos de 1860.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Mais um email divulgado pelo Jornal Aqui.

Em defesa de uma politica igualitária as religiões da nossa cidade, enviei essa email ao semanário Aqui da cidade de Volta Redonda para fazer com que haja uma mobilização e uma aproximação da Prefeitura com os leigos católicos. Segue anexo na integra o email, só depende de nós:

Pesquisando na internet, constatei que a prefeitura de Volta Redonda com o projeto "Cultura para todos" inclui apresentações mensais de bandas protestantes em nossa cidade. Acredito que política igualitária respeitando as religiões não se faz com lobby a religião A ou B. Se vocês fizerem um levantamento pelo IBGE de quantos católicos são em nossa cidade faz com que seja desproporcional apadrinhar só um seguimento de profissão religiosa.

Se tem representações maçônicas espalhadas por toda cidade, se tem manifestações espalhadas do candomblé, divulgação espíritas, lobby protestante e não vejo uma palha da Secretaria de Cultura em relação a Igreja Católica, um evento sequer.

Porque ter um projeto que só atende aos protestantes? Quem é o representante desse projeto? Ou qual pastor? Filho de qual político?

Eu como filho de Volta Redonda, pagador dos meus impostos, católico praticante denuncio esse lobby e venho pedir para que se faça uma política igualitária entre as religiões.

Porque indiferença gera preconceito. Se a Prefeitura divulga e promove os eventos é de se pensar que há dinheiro público.

Mais o que me deixa mais invocado é com a inércia da RCC, da Diocese e de políticos que se dizem católicos e venho convocar os católicos praticantes a fazermos abaixo assinado, panelaço, passeata para que possamos ter sim nossos direitos reservados por políticas respeitosas e igualitárias. E tem mais: porque de não trazer um repetidora da Canção Nova devido a vários processos parados na Prefeitura.

Venho dá uma dica pra vocês "Projeto Caravana Católica" com nomes como: Anjos de Resgate, Celina Borges, Rosa de Saron, Jack, Via 33, Dj Tau, Flavinho, Adriana, Eros Biondini, Eugênio Jorge, Márcio Pacheco, Márcio Todesquini, Eliana Ribeiro, Italo Vilar, Dunga, Davidson Silva, Alexandre Soul, Diego Fernandes, Netinho, Mariani, Marília Mello, Grupo Renascer, Projeto Yoseph, Banda Louvor e Glória, Ministério Romanos, Ministério Água Viva, Ministério Adoração e Vida entre outros sem falar no Pe Fábio de Melo, Pe Marcelo, Pe Reginaldo Manzotti, Pe Cleidimar Moreira, Pe Delton Filho, Pe Joãozinho, Pe Zezinho, Pe Antônio Maria, Pe Robson de Oliveira entre outros, sem falar no Ministério Cristo Vive, Ministério Terra Nova, Banda Tempo de Deus, Ministério Anjos da Aliança que são da nossa cidade.

Fico no aguardo da resposta de vocês e melhorar a relação da prefeitura e com os leigos católicos, até porque envio-lhe este email devido a muitos católicos me perguntarem se esse lobby está certo.

Leandro Costa
www.leandro-rodrigues.blogspot.com

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

“Luz do mundo”: um livro que faz história

O lançamento do livro-entrevista do Papa Bento XVI, "Luz do mundo", recebeu hoje uma enorme acolhida mundial. A demanda tão extraordinária deste livro do jornalista alemão Peter Seewald levou a editora alemã Herder a dobrar o número de exemplares nesta primeira semana.

Inúmeros comunicadores de diversas partes do mundo estavam se preparando para o grande impacto das respostas do Pontífice. Falava-se da força explosiva dos conteúdos, inclusive de uma revolução espiritual.

Mas as respostas do Papa, apresentadas nestas 240 páginas, não têm, à primeira vista, nenhum conteúdo revolucionário. A mensagem de Bento XVI, recolhida na intimidade de diálogos pessoais com Seewald, destaca-se de forma extraordinária porque é Evangelho atualizado, Boa Nova de hoje.

Bento XVI se apresenta, nessas linhas, a partir de um prisma pessoal, tornando transparentes suas mudanças de perspectiva ao concretizar sua fé na história. É uma mensagem atualizada a partir da realidade de mudança que estamos vivendo hoje.

E então surge a pergunta chave de Peter Seewald: "Segundo o Evangelho de São João, Jesus diz, em uma passagem decisiva, que o importante é o mandato do Pai: ‘E eu sei: o que ele ordena é vida eterna'. É por isso que Jesus veio ao mundo?".

O Santo Padre responde: "Sem dúvida alguma. Disso se trata: de que cheguemos a ser capazes de Deus e, assim, possamos entrar na vida autêntica, na vida eterna. Realmente, Ele veio para que conheçamos a verdade. Para que possamos tocar Deus. Para que a porta esteja aberta para nós. Para que encontremos a vida real, a que não está submetida à morte".

O núcleo dessas conversas é a grande mensagem de Bento XVI, que convida o mundo à santidade. Isso não deve ser perdido de vista quando se vai revisando as notícias da primeira página dos diversos jornais, inclusive da imprensa sensacionalista, falando-nos de preservativos ou da opinião de Bento XVI sobre o uso da burca.

Cristo é o centro. Esse Cristo que diz aos seus apóstolos: "Vós sois a luz do mundo". A grande entrevista, assim, dá continuidade à pregação do 265º Sucessor de Pedro na Santa Sé. Além disso, vai adquirindo uma forma de imediatismo inaudito como palavra direta e espontânea. Não é uma doutrina ex cathedra, deduzida das grandes verdades, senão que induz o leitor, vai brotando de um coração íntegro e enamorado, como grande testemunho pessoal de fé e síntese de vida impressionante.

A palavra impressa desse livro deixou a voz direta de Bento XVI quase sem alterações, como garante o autor no começo. Isso oferece ao leitor a possibilidade de uma composição de lugar excepcional: pode-se imaginar que se tem o "Papa Ratzinger" face a face no sofá. Pode-se ouvir sua voz no próprio idioma, enquanto Bento XVI vai abrindo amplamente a porta do seu entendimento, do seu coração e da sua alma.

Ao leitor, vai se revelando um personagem ágil, humilde, cheio de bondade, que sabe perdoar, mas que ao mesmo tempo se apresenta muito vulnerável. Da mesma forma, o livro tem um tom tão familiar e próximo, que lembra a experiência da comunidade primitiva no começo da Igreja.

Se o pontificado anterior foi o dos grandes gestos e imagens, este pontificado é o das grandes palavras. Peter Seewald conseguiu trazer à luz este dom de Bento com um emaranhado de perguntas seletas, um entretecido de política, perguntas pessoais, pastorais e esclarecimentos teológicos.

Seewald apresenta, assim, um diálogo entre o Papa e a sociedade. Põe em jogo seu amplo conhecimento e formula perguntas de amplitude global. Dessa forma, o Pontífice se converte ao mesmo tempo em ouvinte do mundo inteiro.

O jornalista faz perguntas que revelam sua sintonia com a postura crítica de Bento XVI diante da cultura atual. Ao mesmo tempo, fiel à sua profissão de comunicador, faz perguntas que vão indagando sobre temas delicados e realidades que são para o Papa causa de profunda dor.

O livro não só redigiu um capítulo importante da história da Igreja, senão que oferece pautas para um jornalismo de qualidade, que vai elevando o nível dos padrões de trabalho a um compromisso por parte dos católicos nos meios de comunicação, cujo objetivo é transmitir uma mensagem eficaz ao mundo atual.

É uma surpresa grande e positiva ouvir Bento XVI falar do bispo Richard Williamson, da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Pela primeira vez, o Papa revela que ele não teria assinado o decreto sobre a revogação da excomunhão do britânico se tivesse sabido da sua negação das câmaras de gás. "Não. Então seria preciso ter separado primeiramente o caso Williamson. Mas, infelizmente, nenhum de nós havia feito uma busca na internet, para saber, assim, de quem se tratava", disse literalmente o Pontífice.

Ao assunto Williamson está vinculada a relação da Igreja Católica com os judeus e a relação com o Estado de Israel. Depois do alvoroço sobre as declarações dos padres do Sínodo do Oriente Médio sobre o conflito entre Israel e Palestina, aos "nossos pais e irmãos" chega mais uma vez uma clara confissão papal sobre o direito de existência de Israel. Isso não foi afirmado tão explicitamente pelos bispos da região, que condenaram, em seu documento final, o "antissemitismo", mas não o "antissionismo".

"Para mim, foi muito emocionante com que cordialidade me recebeu o presidente Peres, que é uma grande personalidade", conta o cabeça da Igreja Católica sobre sua visita a Israel em maio de 2009. "Ele carrega o peso de uma lembrança difícil. Como você sabe, seu pai foi preso em uma sinagoga à qual depois se ateou fogo. Mas ele veio até mim com uma grande abertura e sabendo que lutamos por valores comuns e pela paz, pela configuração do futuro e que, nisso, a questão da existência de Israel desempenha um papel importante".

O livro esclarece que não é verdade o que a mídia difundiu há algumas semanas sobre as declarações referentes à relação com o Islã: o Papa Bento não se distancia de forma alguma do discurso de Ratisbona: "A consideração política não levou em consideração o conjunto, senão que tirou um fragmento do contexto e o converteu em um ato político, que em si não era".

Ao ser perguntado pela estratégia diante dos casos de sacerdotes que vivem uma relação com uma mulher ou que formaram uma família em segredo, o Papa comenta: "Quando um sacerdote coabita com uma mulher, é preciso verificar se existe uma verdadeira vontade matrimonial e se poderiam formar um bom casal. Se for assim, eles têm de seguir esse caminho. Quando se trata de uma falta de vontade moral, mas existe um vínculo interior real, é preciso tentar encontrar caminhos de cura para ele e para ela".

O problema fundamental, confirma o Papa, "é a honradez". Além disso, existe a importância do "respeito pela verdade dessas duas pessoas e dos filhos, a fim de encontrar a solução correta".

Na entrevista, vislumbra-se também o conceito do amor de Bento, um tipo de amor que não permite separar a verdade do amor, que não deve ser confundido com um falso conceito de misericórdia.

Bento XVI confessa seu profundo horror diante dos casos de abusos em instituições católicas: "Hoje temos de aprender novamente que o amor ao pecador e ao danificado está em seu reto equilíbrio mediante um castigo ao pecador, aplicado de forma possível e adequada". Bento XVI não se preocupa em conservar a boa imagem da Igreja, senão que coloca o peso na credibilidade do testemunho daqueles que se consagraram ao seguimento de Cristo. Esta é a meta à qual o livro aponta com seu título, "Luz do mundo".

"Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal perde seu sabor, com que se salgará? Não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e pisado pelas pessoas.

Vós sois a luz do mundo. Uma cidade construída sobre a montanha não fica escondida.

Não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma caixa, mas sim no candelabro, onde ela brilha para todos os que estão em casa.

Assim também brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5,13-16).

“Luz do mundo”: Bento XVI responde ao homem de hoje - Publicado um livro-entrevista sobre o Papa, a Igreja e os sinais dos tempos.

"O que você está fazendo comigo? Agora, a responsabilidade é sua. Você tem de me conduzir! Eu não posso. Se você me escolheu, então também tem de me ajudar."

Isso é o que Bento XVI pôde dizer ao Senhor, com simplicidade, no momento em que foi eleito Papa, segundo ele mesmo explica no livro-entrevista "Luz do mundo. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos", apresentado hoje no Vaticano. Ao responder a cerca de 220 perguntas do jornalista alemão Peter Seewald, ao longo de 176 páginas, Bento XVI esclarece questões sobre os desafios da sociedade atual, a fé e a crise da Igreja. Não faltam suas explicações simples e pedagógicas sobre questões controversas, como o caso Williamson, seu discurso em Ratisbona, os Legionários de Cristo e seu fundador, o uso do preservativo, a indissolubilidade do matrimônio, os homossexuais, suas modificações na liturgia, sua opinião sobre Pio XII, o celibato, o sacerdócio feminino, os nacionalismos, entre outros.

Como um papa reza? - O relato detalhado das suas experiências mais humanas como pontífice é uma das novidades do livro, fruto da terceira sessão de conversas concedidas ao jornalista alemão Peter Seewald, depois das duas anteriores, antes de ser eleito Papa, que foram traduzidas nos livros "O sal da terra" e "Deus e o mundo". Bento XVI explica em primeira pessoa, por exemplo, como é sua relação pessoal com Deus. "A oração e o contato com Deus são agora mais necessários e também mais naturais e evidentes que antes", reconhece, e assegura que, em meio à sua intensa atividade, "acontece, sem dúvida, a experiência e a graça de estado".

"Também eu sou um simples mendigo frente a Deus, e mais que todas as demais pessoas - revela. É claro que rezo sempre em primeiríssimo lugar ao nosso Senhor, com quem tenho uma relação de tantos anos. Mas também invoco o Espírito Santo."

"Entro na comunhão dos santos - acrescenta. Com eles, fortalecido por eles, falo então também com Deus, sobretudo mendigando, mas também agradecendo ou simplesmente com alegria."

Sobre sua eleição como sucessor de João Paulo II, recorda: "Eu tinha certeza de que esse ministério não era o meu destino e que, depois de anos de grande esforço, Deus ia me conceder algo de paz e tranquilidade".

"Nesse momento, só pude dizer para mim mesmo e deixar claro: ao parecer, a vontade de Deus é outra, e começa algo totalmente diferente, novo para mim. Ele estará comigo", explica com humildade.

Bento XVI constata que a responsabilidade de um papa "é realmente gigantesca". Reconhece que percebe que suas forças vão decaindo, que "tudo isso exige demais de uma pessoa de 83 anos", mas destaca que, "graças a Deus, há muitos bons colaboradores".

Ao mesmo tempo, é consciente de que, para responder a todos os requerimentos, "é preciso ater-se com disciplina ao ritmo do dia e saber quando é preciso ter energia".

Em sua vida cotidiana, Bento XVI não pratica esportes; acompanha diariamente as notícias e às vezes também assiste a algum DVD com seus secretários. "Gostamos de ver Don Camillo e Peppone", explica. Também revela que, nos dias festivos, escutam música e batem papo.

Afirma não ter medo de um atentado e reconhece: "Poucas são as pessoas que têm tantos encontros, como eu. Sobretudo, são importantes para mim os encontros com os bispos do mundo inteiro".

Diz sentir-se reconfortado com as muitas cartas que recebe de pessoas simples que o incentivam, assim como presentes e visitas. "Sinto também o consolo 'do alto'; experimento a proximidade do Senhor na oração; e na leitura dos Padres da Igreja, vejo o esplendor da beleza da fé".

Com relação ao seu predecessor, Bento XVI afirma que se sabe "realmente um devedor seu que, com sua modesta figura, procura continuar o que João Paulo II fez como gigante. (...) Junto aos grandes, tem que haver também pequenos papas que ofereçam o pouco que têm", indica.

Renúncia ao papado - Nas conversas com Seewald, que aconteceram em Castel Gandolfo durante 6 dias do último mês de julho - uma hora por dia -, Bento XVI não fechou a porta à possibilidade de renúncia ao papado.

"É possível renunciar em um momento sereno, ou quando já não se é capaz - disse. Se o papa chega a reconhecer com clareza que física, psíquica e mentalmente já não pode suportar o peso do seu ofício, tem o direito e, em certas circunstâncias, também o dever de renunciar."

Dos seus 5 anos de pontificado, destaca as viagens a diversos países, a celebração do Ano Paulino, do Ano Sacerdotal e os dois sínodos, sobretudo o da Palavra de Deus.

"Por outro lado, estão esses grandes períodos de escândalo e as feridas na Igreja", indica, mas afirma que elas "têm para nós uma força purificadora e, no final, podem ser elementos positivos".

Com transparência, o Papa também reconhece estar decepcionado com algumas realidades: "Decepcionado sobretudo por existir no mundo ocidental esse desgosto com a Igreja, pelo fato do secularismo continuar tornando-se autônomo, pelo desenvolvimento de formas nas quais os homens são afastados cada vez mais da fé, pela tendência geral da nossa época de continuar sendo oposta à Igreja".

Sincero e próximo - Outra das novidades de "Luz do mundo" é o estilo direto, cheio de liberdade, sinceridade e proximidade. "Nunca antes, na história da Igreja, um papa havia respondido com tanta franqueza às perguntas de um jornalista em uma entrevista direta e pessoal", indica a editora Herder, responsável pela edição espanhola. Em referência ao título do livro-entrevista, Peter Seewald indica que, "quando se escuta o Papa dessa forma e se está sentado na frente dele, percebe-se não somente a precisão do seu pensamento e a esperança que provém da fé, mas também se torna visível, de forma especial, um esplendor da Luz do mundo, do rosto de Jesus Cristo, que quer ir ao encontro de cada ser humano e não exclui ninguém".

Colocar Deus no centro - "Luz do mundo" inclui também algumas das habituais análises de Bento XVI, claras e concisas, sobre a situação atual da Igreja e do mundo, com a identificação de numerosos problemas e a proposta de respostas e soluções.

"Poderiam ser mencionados muitos problemas que existem na atualidade e que é preciso resolver, mas todos eles só podem ser resolvidos quando se coloca Deus no centro, quando Deus volta a ser visível no mundo", destaca o Papa na entrevista. Com relação à Igreja, ele garante que ela "vive". "Contemplada somente a partir da Europa, parece que se encontra em decadência - indica -, mas esta é somente uma parte do conjunto. Em outros continentes, ela cresce e vive, está repleta de dinamismo."

América Latina - O Papa oferece numerosas referências concretas de vários países. Com relação à América Latina, indica que, "definitivamente, duas são as figuras que fizeram os homens da América Latina crer: por um lado, a Mãe e, por outro, o Deus que sofre".

Finalmente, fala da simplicidade do cristianismo e afirma que, "em nosso racionalismo e frente ao poder das ditaduras emergentes, Ele nos mostra a humildade da Mãe, que aparece a crianças e lhes diz o essencial: fé, esperança, amor, penitência".

Revelações do livro-entrevista de Bento XVI - Passagens antecipadas pelo jornal vaticano
Apresentamos algumas passagens que o L’Osservatore Romano antecipou nesse domingo do livro “Luz do mundo”, que recolhe conversas de Bento XVI com o jornalista alemão Peter Seewald.

Alegria do cristianismo - Toda minha vida esteve sempre atravessada por um fio condutor, que é este: o cristianismo dá alegria, amplia os horizontes. Em definitivo, uma existência vivida sempre e apenas “em contra” seria insuportável.

Mendigo - No que se refere ao Papa, também ele é um pobre mendigo frente a Deus, ainda mais que os demais homens. Naturalmente rezo, em primeiro lugar, sempre ao Senhor, ao qual estou vinculado, por assim dizer, por uma antiga amizade. Mas invoco também os santos. Sou muito amigo de Agostinho, de Boaventura e de Tomás de Aquino. Portanto, digo a eles: “ajudem-me!”. A Mãe de Deus é sempre e de todos os modos um grande ponto de referência. Nesse sentido, integro-me na comunhão dos santos. Junto a eles, reforçado por eles, falo, e também com o bom Deus, sobretudo mendigando, mas também agradecendo; ou simplesmente porque estou contente.

Dificuldades - Que a atmosfera não seria sempre alegre era evidente. Dada a atual constelação mundial, com todas as forças de destruição que existem, com todas as contradições que se dão nela, com todas as ameaças e os erros. Se eu tivesse continuado recebendo apenas aprovações, teria de me perguntar se estava realmente anunciando todo o Evangelho.

Abusos sexuais - Os fatos não me pegaram totalmente de surpresa. Na Congregação para a Doutrina da Fé, eu me tinha ocupado dos casos norte-americanos; tinha visto aumentar também a situação na Irlanda. Mas as dimensões, de todos os modos, foram um choque enorme. Desde minha eleição à Sé de Pedro, tinha-me encontrado repetidamente com vítimas de abusos sexuais. Há três anos e meio, em outubro de 2006, em um discurso aos bispos irlandeses, pedi-lhes “estabelecer a verdade do ocorrido no passado, tomando todas as medidas necessárias para evitar que se repita no futuro, assegurar que os princípios de justiça sejam plenamente respeitados e, sobretudo, curar as vítimas e todos aqueles que foram afetados por estes crimes abomináveis”. Ver o sacerdócio de repente sujo deste modo, e com isso a própria Igreja Católica, foi difícil de suportar. Nesse momento era importante, no entanto, não separar a vista do fato de que na Igreja o bem existe, e não só estas coisas terríveis.

Media e abusos - Era evidente que a ação dos meios de comunicação não estava guiada pela pura busca da verdade, mas tinha também uma complacência em ridicularizar a Igreja e, se fosse possível, desacreditá-la. E, no entanto, era necessário que isso ficasse claro: desde o momento em que se tenta levar a verdade à luz, devemos dar graças. A verdade, unida ao amor corretamente entendido, é o valor número um. E os meios de comunicação não teriam podido dar aqueles informes se na própria Igreja não houvesse dado o mal. Só porque o mal estava dentro da Igreja os outros puderam lançá-lo contra ela.

Intolerância - A verdadeira ameaça diante da qual nos encontramos é que a tolerância seja abolida em nome da própria tolerância. Está em perigo de que a razão, a assim chamada razão ocidental, sustente ter reconhecido finalmente o que é correto e avance assim em uma pretensão de totalidade, que é inimiga da liberdade. Considero necessário denunciar com força esta ameaça. Ninguém está obrigado a ser cristão. Mas ninguém deve ser obrigado a viver segundo a “nova religião”, como se fosse a única e verdadeira, vinculante para toda a humanidade.

Mesquitas e burcas - Os cristãos são tolerantes e, como tais, permitem também aos demais sua peculiar compreensão de si. Alegramo-nos pelo fato de que em países do Golfo Árabe (Qatar, Abu Dabi, Dubai, Kuwait) haja igrejas nas quais os cristãos possam celebrar a Missa e esperamos que ocorra assim em todas as partes. Por isso, é natural que também em nossas terras os muçulmanos possam-se reunir em oração nas mesquitas. Pelo que se refere à burca, não vejo razão de uma proibição generalizada. Diz-se que algumas mulheres não o usam voluntariamente, mas que, na realidade, é um tipo de violência imposta. Está claro que com isso não se pode estar de acordo. No entanto, se querem usá-lo voluntariamente, não vejo porque teria de se impedir.

Cristianismo e modernidade - Ser cristão é em si mesmo algo vivo, moderno, que atravessa toda a modernidade, formando-a e moldando-a, e, portanto, em certo sentido realmente a abraça. Aqui se necessita de uma grande luta espiritual, como quis mostrar com a recente instituição de um Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. É importante que tentemos viver e conceber o cristianismo de tal modo que assuma a modernidade boa e correta e, ao mesmo tempo, afaste-se e distinga-se daquela que está-se convertendo em uma contra-religião.

Otimismo - Poder-se-ia contemplar com superficialidade e restringir o horizonte só ao mundo ocidental. Mas se se observa com mais atenção, e é isso o que posso fazer graças às visitas dos bispos de todo o mundo e também a tantos encontros, vê-se que o cristianismo neste momento está desenvolvendo também uma criatividade de todo nova [...]. A burocracia está desgastada e cansada. São iniciativas que nascem desde dentro, a partir da alegria dos jovens. O cristianismo talvez assumirá um novo rosto, um aspecto cultural diverso. O cristianismo não determina a opinião pública mundial, outros está à guia. E, no entanto, o cristianismo é a força vital sem a qual as outras coisas tampouco poderiam continuar existindo. Por isso, em virtude do que vejo e do que consigo tornar experiência pessoal, sou muito otimista a respeito do fato de que o cristianismo encontre-se frente a uma dinâmica nova.

A droga - Muitos bispos, sobretudo da América Latina, dizem-me que ali onde passa o caminho do cultivo e do comércio da droga, e isso ocorre em grande parte desses países, é como se um animal monstruoso e malvado estendesse sua mão sobre o país para arruinar as pessoas. Creio que esta serpente do comércio e do consumo de droga, que envolve o mundo, é um poder do qual nem sempre conseguimos ter uma ideia adequada. Destrói os jovens, destrói as famílias, leva à violência e ameaça o futuro de nações inteiras. Também esta é uma terrível responsabilidade do Ocidente: tem necessidade de drogas e assim cria países que lhe oferecem aquilo que logo terminará por consumi-los e destruí-los. Surgiu uma fome de felicidade que não consegue se saciar com aquilo que há, e que logo se refugia, por assim dizer, no paraíso do diabo, e destrói completamente o homem. Na

Sexualidade - Concentrar-se só no preservativo quer dizer banalizar a sexualidade e esta banalização representa precisamente o motivo pelo qual muitas pessoas já não veem na sexualidade a expressão de seu amor, mas só uma espécie de droga, que se fornecem por sua conta. Por este motivo, também a luta contra a banalização da sexualidade forma parte do grande esforço para que a sexualidade seja valorizada positivamente e possa exercer seu efeito positivo no ser humano em sua totalidade. Pode haver casos justificados singulares, por exemplo, quando um prostituto utiliza um preservativo, e este pode ser o primeiro passo para uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade para desenvolver de novo a consciência sobre o fato de que nem tudo está permitido e de que não se pode fazer tudo o que se quer. No entanto, este não é o verdadeiro modo para vencer a infecção do HIV. É verdadeiramente necessária uma humanização da sexualidade.

Igreja - Paulo não entendia a Igreja como instituição, com organização, mas como organismo vivente, no qual todos trabalham um pelo outro e um com o outro, unidos a partir de Cristo. É uma imagem, mas uma imagem que permite aprofundar e que é muito realista, ainda que só seja pelo fato de que nós cremos que, na Eucaristia, realmente recebemos Cristo, o Ressuscitado. E se cada um recebe o próprio Cristo, então realmente todos nós estamos reunidos neste novo corpo ressuscitado como o grande espaço de uma nova humanidade. É importante entender isso e, portanto, conceber a Igreja não como um aparato que deve fazer de tudo, também o aparato lhe pertence, mas dentro dos limites – mas ainda mais como organismo vivente que provém do próprio Cristo.

Humanae Vitae - As perspectivas da Humanae Vitae continuam sendo válidas, mas outra coisa é encontrar caminhos humanamente praticáveis. Creio que haverá sempre minorias intimamente convencidas da exatidão dessas perspectivas e que, vivendo-as, ficarão plenamente satisfeitas do modo que poderão ser para outros um fascinante modelo a seguir. Somos pecadores. Mas não deveríamos assumir este fato como uma instância contra a verdade, quando essa alta moral não é vivida. Deveríamos buscar fazer todo o possível, e apoiar-nos e suportar-nos mutuamente. Expressar tudo isso também desde o ponto de vista pastoral, teológico e conceitual, no contexto da atual sexologia e pesquisa antropológica, é uma grande tarefa à qual é necessário se dedicar mais e melhor.

Mulheres - A formulação de João Paulo II é muito importante: “A Igreja não tem, de nenhum modo, a faculdade de conferir às mulheres a ordenação sacerdotal”. Não se trata de não querer, mas de não poder. O Senhor deu uma forma à Igreja com os Doze e depois com sua sucessão, com os bispos e os presbíteros (os sacerdotes). Não fomos nós que criamos esta forma de Igreja, mas se constitui a partir d’Ele. Segui-la é um ato de obediência, na situação atual, talvez um dos atos de obediência mais graves. Mas isso é importante: a Igreja não mostra ser um regime do arbítrio. Não podemos fazer o que queremos. Há, em contrapartida, uma vontade do Senhor para nós, à qual nos atemos, ainda que seja fadigoso e difícil na cultura e na civilização de hoje. Por outro lado, as funções confiadas às mulheres na Igreja são tão grandes e significativas que não se pode falar de discriminação. Seria assim se o sacerdócio fosse uma espécie de domínio, enquanto que, pelo contrário, deve ser completamente serviço. Se se lança o olhar na história da Igreja, damo-nos conta de que o significado das mulheres – desde Maria a Mônica, até a Madre Teresa – é tão eminente que as mulheres definem de muitas maneiras o rosto da Igreja mais que os homens.

Vinda de Cristo - É importante que cada época esteja próxima do Senhor. Que também nós mesmos, aqui e agora, estejamos sob o juízo do Senhor e nos deixemos julgar por seu tribunal. Discutia-se sobre uma dupla vinda de Cristo, uma em Belém e uma ao final dos tempos, até que Bernardo de Claraval falou de um Adventus medius, de uma vinda intermédia, através da qual Ele sempre entre periodicamente na história. Creio que encontrou o tom adequado. Nós não podemos estabelecer quando terminará o mundo. Cristo mesmo disse que ninguém o sabe, nem sequer o Filho. Devemos, no entanto, permanecer, por assim dizer, sempre diante de sua vinda, e sobretudo estar seguros de que, no sofrimento, Ele está próximo. Ao mesmo tempo, deveríamos saber que em nossas ações estamos sob seu juízo.